Hospitais devem ser indiciados por homicídio culposo no caso do secretário
Na madrugada da última quinta-feira, o então secretário de Recursos Humanos do governo Dilma Rousseff recorreu às duas unidades de saúde, que lhe negaram atendimento porque ele não tinha uma folha de cheque para dar como caução. Duvanier, que estava acompanhado pela mulher, Cássia Gomes, foi obrigado a procurar um terceiro hospital, o Planalto, onde morreu na recepção ao sofrer um infarto agudo no miocárdio enquanto preenchia a ficha de internação. A pena para homicídio culposo pode chegar a quatro anos de prisão.
Para o diretor-geral da Polícia Civil, Onofre Moraes, ao negarem o atendimento a uma pessoa em situação grave, como a de Duvanier, os hospitais infringiram a lei que garante assistência imediata por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual ressarcirá as despesas. Segundo ele, tornou-se rotina entre os hospitais fazerem de tudo para não dar atendimento aos cidadãos que não têm planos de saúde e aos que os convênios não são aceitos pelos estabelecimentos.
A razão é uma só: faturamento. Mesmo com a exigência do cheque-caução, não há garantia de recebimento das dívidas e, no caso do ressarcimento do SUS, o valor é considerado muito baixo. Dados da Secretaria de Saúde do DF mostram que um leito na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) privado custa, em média, R$ 3 mil por dia à rede pública.
Na avaliação de Moraes, está tudo errado: primeiro, negar atendimento; segundo, recorrer à ilegalidade do cheque-caução. ―E como a diferença entre a tabela de ressarcimento do SUS é três vezes menor do que os hospitais particulares cobram, ninguém quer prestar serviços ao sistema público‖, afirmou. Diante desse quadro, ele não tem dúvidas de que só resta à Civil apurar todas as circunstâncias que levaram Duvanier à morte. ―Vamos averiguar tudo sobre a possível negligência‖, assegurou.
Na sexta-feira passada, a polícia ouviu uma funcionária do Hospital Santa Luzia. Ontem, estavam previstos os depoimentos de sete empregados do Hospital Planalto. Agora, serão intimados todos os plantonistas que estavam trabalhando na madrugada de quinta-feira no Santa Lúcia e familiares de Duvanier. A 1ª Delegacia de Polícia avaliará ainda os vídeos das câmeras de segurança dos hospitais envolvidos no caso Duvanier, principalmente para comprovar se houve crime de racismo.
Os policiais acreditam que a exigência de cheque-caução em situações de emergência seja corriqueira no DF, apesar de ilegal. Nos últimos dias, várias pessoas ligaram para a delegacia relatando práticas semelhantes em hospitais particulares‖, revelou Johnson Kenedy, delegado-chefe adjunto da 1ª DP. As ocorrências são frequentes‖, completou o diretor-geral da Civil. Ele explicou que a investigação está dividida em dois inquéritos: um, liderado pela Delegacia do Consumidor, avaliará se houve crime ao se pedir cheque-caução; o segundo, chefiado pela 1ª DP, vai apurar as circunstâncias da morte de Duvanier.
Inquéritos Moraes afirmou que só depois da conclusão dos inquéritos — que têm prazo de 30 dias —, será possível determinar os responsáveis pela negligência. Mas ressaltou que a tendência é de as responsabilidades recaírem cobre os donos dos hospitais. Eu entendo que a responsabilidade é dos donos dos hospitais, porque são eles que dão as ordens ilegais‖, declarou. No entender do diretor da Civil, os médicos não podem ser responsabilizados, porque sequer teriam tido acesso ao paciente. Já os atendentes estariam apenas cumprindo ordens.
O Santa Lúcia e o Santa Luzia são também objeto de investigações do Ministério da Saúde por determinação direta da presidente Dilma Rousseff e do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF). O Santa Lúcia negou que tenha recusado o atendimento ou que tenha havido qualquer irregularidade. Já o Santa Luzia alegou que, após investigação interna, não encontrou qualquer registro da entrada de Duvanier na emergência, seja nos registros de vídeo, telefônicos ou relatos dos funcionários plantonistas.
Pressão dos servidores
Embora o governo ainda não tenha definido o nome de quem substituirá o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, que morreu após sofrer um infarto na última quinta-feira, os servidores públicos avisaram que não vão dar trégua. Depois das repetidas negativas do Palácio do Planalto em reajustar os salários neste ano, o funcionalismo dos Três Poderes manteve toda a pauta de reivindicações e a ameaça de uma greve geral a partir de abril, caso a equipe da presidente Dilma Rousseff não apresente uma proposta concreta de aumentos nos contracheques e de alterações nos planos de carreira.
Hoje, sindicatos que representam categorias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário protocolarão no Planejamento, na Secretaria-geral da Presidência da República e no Supremo Tribunal Federal (STF) um documento pedindo a reabertura imediata do processo de negociação salarial com o governo.
Os servidores estão sem respostas sobre itens polêmicos, sobre direito de greve, negociação salarial e liberação de dirigentes sindicais de bater o ponto para se dedicar aos assuntos das categorias.
Acordos
Outra queda de braço é pela definição de uma política salarial permanente e de uma data-base, período em que, a cada ano, patrões e empregados se reúnem para reivindicar a revisão de salário e estabelecer os novos contratos coletivos de trabalho. Além disso, queremos que o governo cumpra os acordos firmados no ano passado. Se não tivermos resposta até março, iniciaremos a discussão sobre a greve‖, afirmou um sindicalista.
No caso do Executivo, a batalha é para que se estenda a todos os servidores de nível superior reajuste de até 78% dado a economistas, geólogos, estatísticos, engenheiros e arquitetos.
Os sindicatos também se mobilizam contra a aprovação do regime de previdência complementar do servidor público federal. Pelo Projeto de Lei nº1992/ 2007, assim como ocorre na iniciativa privada, para ter uma aposentadoria acima do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje de R$ 3,9 mil, os servidores terão de investir em um fundo complementar. Se aprovada, a regra só será obrigatória para os trabalhadores que entrarem no funcionalismo após a implantação das mudanças.
Na avaliação do diretor executivo da CUT, o discurso de ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff para vetar os aumentos aos servidores, sob a alegação de que o país precisa se proteger dos reflexos da crise econômica internacional, não convence o funcionalismo. Ele observou que, hoje, as despesas com pessoal giram em torno de 30% da receita corrente líquida do governo, abaixo do teto imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 50%. Se houver interesse político, há, inclusive, uma margem grande para negociar‖, argumentou.
Disputa frustrada
No ano passado, a pressão do Palácio do Planalto para barrar os pedidos de aumentos salariais fechou de vez as torneiras para os servidores do Judiciário e do Legislativo. Nem mesmo a greve de trabalhadores de Judiciário em todo o Brasil e a intervenção do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, foram suficientes para fazer a presidente Dilma Rousseff rever sua posição.
Mudanças em secretarias
O Ministério do Planejamento criou ontem a Secretaria de Relações de Trabalho no Serviço Público. A unidade substitui a atual Secretaria de Recursos Humanos e será responsável por definir reajustes salariais, condições de trabalho e reestruturação de carreiras no funcionalismo federal.
A repartição estava planejada para ser comandada pelo secretário Duvanier Paiva Ferreira, que morreu na última quinta-feira, vítima de infarto. O nome que irá substituí-lo e terá a tarefa de realizar o processo de negociação com os sindicatos dos servidores públicos ainda está em análise pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior.
O governo criou também a Secretaria de Gestão Pública (Segep), que substitui a Secretaria de Gestão. A estrutura cuidará de temas como reestruturação organizacional, capacitação de pessoal, direcionamento da força de trabalho, concursos públicos e folha de pagamento. Embora tenha sido oficializado ontem, por meio de decretos do Diário Oficial da União, o modelo estava funcionando informalmente há quatro meses. Pelo menos em tese, a proposta é democratizar as relações de trabalho com o funcionalismo e minimizar os conflitos nas mesas de negociação.
*Fonte: CORREIO BRAZILIENSE
Brasília-DF, 24 de janeiro de 2012