segunda-feira, 18/03/19

A semente virou árvore: um ano após morte, Marielle é símbolo mundial

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A pergunta que não calaremos é: quem mandou matar Marielle? (arte: Frank Maia)

 

O dia 14 de março de 2018 poderia ser apenas mais uma data no mês que fecha o verão. Naquele dia, na cidade do Rio de janeiro, acontecia o evento “Roda de conversa Mulheres Negras Movendo Estruturas”, no qual mulheres discutiam sobre projetos na Casa das Pretas, espaço de convivência localizado na Lapa, Centro do Rio.

 

Entre as ilustres convidadas estava a vereadora Marielle Franco. A integrante do PSOL discursava sobre as dificuldades que mulheres negras enfrentam na sociedade e quais os caminhos para driblar esses obstáculos. “Sou fruto do pré-vestibular comunitário”, disse Marielle ao lembrar de quando, anos atrás, se engajou num cursinho no complexo da Maré, uma das maiores favelas do mundo.

 

Marielle cursou sociologia e fez mestrado em Administração Pública. Foi assessora do deputado estadual Marcelo Freixo, até que em 2016 se elegeu vereadora da Câmara do Rio de Janeiro com 46.502 votos.

 

Fim do evento, hora de ir para casa encontrar sua esposa, Mônica Benício, e sua filha, Luyara Franco. Marielle foi para o carro com a assessora Fernanda Chaves encontrar o motorista, Anderson Gomes. Tudo normal, não fosse um carro parado logo atrás do da vereadora. O veículo ficou ali por duas horas, sem desligar os motores.

 

Os três iniciaram viagem sem perceber que eram seguidos. Na rua Joaquim Palhares, no Estácio, o carro traseiro fez uma emboscada e um sonho se perdeu. Com 14 tiros, Marielle e Anderson morreram no local. Fernanda escapou.

 

Os criminosos seguiram viagem e até o dia 13 de março de 2019, quase um ano depois, ficaram anônimos e impunes. 

 

1º mês sem ela
As mortes de Marielle e Anderson pararam o país. Além de ser capa em todos os jornais e revistas, foram realizadas passeatas em homenagem à vereadora. Pelo menos 11 capitais organizaram manifestações, além de cidades no interior de São Paulo. Grupos se reuniram em atos, sempre segurando cartazes ou entoando os dizeres “Marielle Presente” – no Twitter, a expressão se tornou um dos assuntos mais comentados.

 

Após uma semana da morte, um caso tocante aconteceu: o Papa Francisco ligou para a mãe da vereadora expressando solidariedade à família e dizendo que estava rezando por todos. “Ela ficou tão emocionada que não entendeu muito o que ele falou. Contou que o Papa disse o nome de Marielle, prestou solidariedade e anunciou que estava rezando pela família”, contou a irmã da parlamentar.

 

Na mesma semana, a atriz norte-americana Viola Davis fez um tributo à vereadora. Em seu Twitter, comentou: “Acabo de saber sobre esta mulher corajosa, #MarielleFranco, que lutou pelos direitos dos pobres nas favelas. Eu apoio e luto com vocês, Brasil!!“, disse a a ganhadora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2017.

 

A indignação pelo assassinato chegou ao mundo da música pop. Primeiro com a cantora Katy Perry. Ela homenageou Marielle e recebeu sua filha e irmã no palco em show no Rio de Janeiro. “Podemos fazer um momento de silêncio para Marielle?”, pediu Katy, após abraçar as duas. “Só queremos dizer que nós, da minha turnê, e dos Estados Unidos, estamos ao seu lado, olhamos por vocês, e amamos vocês“, disse a cantora.

 

No festival Lollapalooza, a vez foi da cantora sueca Zara Larsson. No meio do show, ela parou e disse: “Marielle lutava pelos LGBTs. Lutava contra a violência policial e por justiça social. Quero dedicar essa música a ela e quero que todos cantem a plenos pulmões“, disse ao anunciar a canção Symphony.

 

Quando se completou um mês do crime, ações em diversas cidades do mundo foram realizadas para lembrar da ativista dos direitos humanos e de seu funcionário, além de cobrar das autoridades o esclarecimento do crime. Um dos principais eventos foi o Amanhecer por Marielle e Anderson, que aconteceu em Londres, Quebec, Budapeste, Buenos Aires, Lima, entre outras cidades.

 

2º mês sem ela
No segundo mês do assassinato de Marielle e Anderson, o então presidente Michel Temer, seu ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e diplomatas homenagearam a vereadora durante cerimônia de formatura de uma turma do Instituto Rio Branco. A turma de formandos escolheu Marielle Franco como patrona da celebração.

 

Passados 50 dias do assassinato da vereadora, a Câmara do Rio realizou uma sessão extraordinária para votar seis projetos de autoria da parlamentar. Outra iniciativa apresentada pela bancada feminina do legislativo foi dar o nome de Marielle Franco à tribuna onde os vereadores discursam.

 

O vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, fez uma homenagem à vereadora em um evento do Fórum de Direitos Humanos. Ele afirmou que Marielle foi um “exemplo de resistência e dignidade humana” e pediu à organização para ouvir os relatos de vítimas da violência em favelas do Rio.

 

E as homenagens não pararam. Em Buenos Aires, Marielle foi homenageada no Parque da Memória. Cerca de 500 pessoas compareceram ao ato e pediram justiça ao crime. Na Itália, a homenagem aconteceu na 33ª edição do Lovers Film Festival, a mostra de cinema LGBT mais antiga da Europa. E em uma exposição nos EUA, a obra de André de Castro trouxe Marielle lado a lado com Martin Luther King.

 

3º mês sem ela
O ator norte-americano Danny Glover prestou homenagens a Marielle e conversou com seus pais, Marinete Silva e Antonio Franco. O encontro foi organizado pela Comissão Popular da Verdade do Rio de Janeiro.

 

A política brasileira também participou das homenagens. O Senado Federal criou o diploma Marielle Franco. Brasileiros que contribuem com a luta por direitos humanos poderão ser homenageados e levar o prêmio com o nome da vereadora. A cada ano, quatro iniciativas serão agraciadas, sendo três homenagens concedidas a pessoas físicas, das quais pelo menos uma será mulher e pelo menos uma será negra.

 

A Alerj votou um projeto de lei que criou o Dia Marielle Franco. A data será lembrada no dia 14 de março, quando vereadora e seu motorista foram assassinados.

 

Na Argentina, “Lula Livre” e Marielle Franco levam milhares a um festival. As atrações incluíram o cantor Caetano Veloso, Juan Falú, Liliana Herrero, Malena D’Alessio, Los Rusos Hijos de Puta, Las Taradas, Sudor Marika e Juana Molina, entre outros.

 

Para concluir o 3º mês sem Marielle, a viúva da vereadora fez um emocionante discurso na abertura da 22ª Parada LGBT em São Paulo – maior do mundo. “Isso aqui é um ato de resistência. O Brasil é um dos países que mais mata a sua população LGBT. E a gente não pode assumir isso, deixar que isso continue desta maneira“, disse Mônica.

 

4º mês sem ela
O quarto mês sem Marielle começou com uma manifestação pouco convencional. Em uma praia do Rio, um avião sobrevoou com uma faixa questionando “Quem matou Marielle?” A ação foi realizada pela Anistia Internacional, que fez uma campanha para agilizar as investigações.

 

A torcida gremista Tribuna77 levou uma faixa em homenagem a Marielle ao campo de futebol. Depois dessa atitude, pelo menos cinco partidas de futebol disputadas em campeonatos estaduais tiveram faixas para a vereadora.

 

Ativistas foram até a icônica escadaria da Rua Cristiano Viana, em Pinheiros (SP), revitalizar um lambe-lambe gigante para Marielle que estava vandalizado. A homenagem continua intacta.

 

A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2014, esteve no Rio e visitou o projeto social AfroGrafiteiras. Ela se arriscou no spray de tinta e deixou um registro próximo a uma imagem de Marielle.

 

Após exatos 120 dias sem respostas, centenas de manifestantes se reuniram no centro do Rio para cobrar respostas da Justiça. Atos semelhantes foram marcados nas principais cidades do Brasil.

 

5º mês sem ela
O prefeito fluminense, Marcelo Crivella, inaugurou uma escola com uma homenagem à vereadora assassinada. A Escola Marielle Franco fica na Maré, zona norte do Rio, local onde a parlamentar foi criada e se tornou líder comunitária.

 

Um grupo de 29 congressistas americanos, incluindo o senador Bernie Sanders, que foi pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos em 2016, enviou ao governo brasileiro uma carta em que denuncia a “intensificação do ataque à democracia e aos direitos humanos no Brasil”. Nela, os parlamentares pediam solução para a morte de Marielle Franco.

 

O Papa Francisco mais uma vez prestou solidariedade à família de Marielle. Dessa vez, o líder religioso recebeu a mãe da vereadora no Vaticano e expressou sua “preocupação” com casos como o da parlamentar.

 

6º mês sem ela
Projetos apresentados pela vereadora na Câmara Municipal do Rio voltaram à discussão. Em uma sessão extraordinária no parlamento, entre os sete projetos de lei criados por Marielle, cinco foram aprovados.

 

Na política, a luta continuou. O PSOL lançou a candidatura de 37 mulheres inspiradas na vereadora. Entre elas, 17 negras.

 

O senador argentino Pino Solanas concedeu a Marielle um Diploma de Honra em “reconhecimento por sua extraordinária valentia e compromisso na luta pelos Direitos Humanos” e também “por sua valiosa prática da ‘política com afeto’, seu maior legado”. O tributo integrou o circuito de atividades do evento “Diálogos de Resistência – Justiça para Marielle Franco”, realizado no Senado argentino.

 

A viúva da vereadora, Mônica Benício, participou do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra (Suíça), e denunciou a demora nas investigações do assassinato de Marielle e Anderson.

 

O debate eleitoral começou com o candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, utilizando um adesivo com o rosto de Marielle.

 

7º mês sem ela
A Anistia Internacional e a família de Marielle instalaram um telão de cinco metros de altura em cima de um caminhão com a pergunta: quem matou Marielle? O carro passou pelas ruas do Rio divulgando a campanha.

 

A girl band britânica Little Mix homenageou Marielle em site para um novo single. Além de diversas fotos das quatro integrantes, estavam imagens de mulheres ao redor do mundo. No total, foram mais de 6 mil fotos, incluindo a da vereadora.

 

A premiação do Multishow, canal pertencente ao Grupo Globo, teve manifestações contrárias a Jair Bolsonaro e lembranças da vereadora Marielle Franco. O vocalista do Baiana System, Russo Passapusso, gritou “Marielle, presente” no palco e a Aline Wirley, do grupo Rouge, também lembrou da parlamentar.

 

8º mês sem ela
Em uma estação de metrô de Rennes, cidade no noroeste da França, fotos do ato público durante o velório da vereadora Marielle foram expostas. O autor é o fotojornalista Guy Pichard, que na época estava morando no Brasil.

 

Um ato em homenagem a Marielle distribuiu mil placas com o nome da parlamentar na Cinelândia, no Centro do Rio. Foi um protesto contra a destruição de uma tabuleta com o nome de vereadora, no mesmo local, por dois candidatos do PSL, no primeiro turno da campanha eleitoral.

 

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Ato no centro do Rio contou com mais de mil placas com o nome de Marielle (foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

 

O músico inglês Roger Waters, ex-Pink Floyd, homenageou Marielle em show no Rio de Janeiro. Waters convidou a família da vereadora para discursar no palco.

 

Quatro ‘herdeiras de Marielle’, pessoas ligadas diretamente à vereadora, foram eleitas deputadas no Rio. Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco para a Alerj, e Talíria Petrone para a Câmara Federal.

 

9º mês sem ela
O Programa de Estudos Latino-Americanos da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, anunciou a criação de um novo fundo de bolsas de estudo. Trata-se do fundo Marielle Franco, uma homenagem à parlamentar.

 

Anielle Franco, irmã de Marielle, participou da Cúpula Mundial de Defensores dos Direitos Humanos em Paris. Na ocasião, ela se encontrou com o presidente Francês, Emmanuel Macron, e pediu ajuda do esclarecimento do crime de sua irmã.

 

10º, 11º e 12º meses sem ela
O ano começou com a posse do presidente representante da extrema direita, Jair Bolsonaro. Na época dos assassinatos de Marielle e Anderson, Bolsonaro foi um dos únicos políticos a não se manifestar sobre o ocorrido. Um dos seus filhos, Eduardo Bolsonaro, chegou a tuitar que o caso seria associado à polícia como forma de protesto.

 

Além disso, candidatos do seu partido quebraram a placa com o nome da vereadora em protesto contra a luta de Marielle. Não foi suficiente para calar a voz da mulher que mexeu com o mundo.

 

Jair Bolsonaro recebeu, em seu primeiro dia no cargo, uma carta enviada por relatores da Organização das Nações Unidas que cobraram respostas urgentes para esclarecer a morte de Marielle. Além disso, vários protestos pelo Brasil contra o presidente tiveram gritos de guerra que lembraram da parlamentar assassinada.

 

E foi em março, de Carnaval e Dia Internacional da Mulher, que os protestos se intensificaram.

 

Nas manifestações das mulheres, no dia 8 de março, o rosto de Marielle foi símbolo de resistência feminina. Em todas as cidades que ocorreram atos, e até em Berlim, a parlamentar foi lembrada e homenageada. No Big Brother Brasil, da TV Globo, um brinde foi dedicado a ela.

 

Pelo país todo, durante a maior festa brasileira, o nome da parlamentar apareceu. Em blocos como Pagu, em São Paulo, Amigos da Onça, no Rio e em outras capitais do Brasil, Marielle foi protagonista.

 

Ela dominou a avenida. Foliões da Mangueira, escola campeã de 2019, desfilaram com bandeiras com o rosto de Marielle. Vai Vai, Pérola Negra e Vila Isabel também homenagearam a parlamentar em suas alas.

 

Marielle, presente!

 

Fonte: Carta Capital.

 

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