Servidores denunciam que proposta de fundo é ‘negócio de risco’
Com informações de Anderson Vieira, da Agência Senado
20/03/2012 – A proposta do governo de criar a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp) foi alvo de duras críticas por parte dos convidados que participaram, na segunda-feira (19), de audiência conjunta das comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), do Senado, coordenada pelo senador Paulo Paim (PT-RS). A FENASPS e o SINTSPREV/MG estiveram presentes.
Num encontro que durou mais de seis horas, 15 expositores, representantes de diferentes segmentos do funcionalismo, foram unânimes em condenar a iniciativa prevista no PLC 2/2012, que tramita em regime de urgência no Senado, depois de ter sido aprovado pela Câmara (PL 1.999/2007). A proposta do Executivo institui a previdência complementar para os servidores civis da União e aplica o limite de aposentadoria do INSS (R$ 3.916,20) para os admitidos após o início de funcionamento do novo regime.
Os convidados questionaram a situação de insegurança a que serão submetidos os servidores que contribuirão durante anos sem saber ao certo quanto receberão depois de aposentados, visto que os benefícios vão variar conforme o retorno das aplicações feitas pelo fundo ao longo do tempo.
– O que estará previamente definido será a contribuição, não o valor do benefício, que dependerá da rentabilidade. Para o servidor é um negócio de risco. Portanto, vai ter que trabalhar a vida toda e orar aos céus para que mudanças no humor do mercado financeiro não transformem seu dinheiro em pó. Este projeto beneficia na verdade bancos e investidores – argumentou o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Álvaro Sólon de França.
O histórico de casos de má gestão dos recursos de outros grandes fundos no Brasil e no exterior também serviu de argumento para os críticos da Funpresp.
Para o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Pedro Delarue Tolentino Filho, os participantes ficarão desprotegidos em caso de má administração do fundo, e o governo não propõe nada para evitar isso.
– O histórico dos fundos no Brasil mostra uma sucessão de rombos, quebras e problemas de gestão, e o projeto não acena com qualquer proteção aos trabalhadores – opinou.
Ainda para os expositores, a Funpresp não poderia jamais ser uma entidade com personalidade jurídica de direito privado, como o proposto no projeto de lei do Executivo. Para eles, o fundo deveria ter natureza pública, com servidores de carreira participando das decisões.
– Se o INSS é autarquia de natureza pública, responsável por gerir os benefícios dos trabalhadores da iniciativa privada, então por que os servidores públicos serão geridos por uma entidade de direito privado? – indagou Delarue.
Equilíbrio financeiro
Os debatedores questionaram ainda os números apresentados pelo governo dando conta de um déficit no sistema previdenciário público. Para Sólon de França, o alegado déficit de R$ 50 bilhões da Previdência é uma “falácia”. Primeiro expositor do debate, ele afirma que o sistema é “perfeitamente saudável” e que o argumento do déficit é insuficiente como justificativa para a criação do novo regime de previdência.
França salientou que, dos citados R$ 50 bilhões, R$ 25 bilhões é divida histórica: deriva do pagamento de aposentadorias e pensões dos militares, ex-servidores do Distrito Federal e dos antigos territórios. Outra parte da dívida decorreu da inclusão de 900 mil trabalhadores regidos pelo sistema da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ao regime único do servidor público, que ocorreu no governo Collor. “Se é uma opção governamental trabalhar para um novo sistema, que se diga; mas que não se afirme que os servidores são responsáveis por esse déficit” – completou.
A procuradora regional da República Zélia Pierdona disse que, desde 2003, após sucessivas mudanças na legislação, os números apontam para um equilíbrio financeiro do sistema. O déficit existente atualmente seria resultado de sistemas passados que já não se aplicam aos servidores que ingressaram nos últimos anos.
– Querem que só os novos servidores paguem a conta de erros anteriores. Só que eles não têm culpa de generosidades e privilégios concedidos no passado e que agora são direitos adquiridos – afirmou.
Além disso, conforme o presidente do Fórum Nacional de Advocacia Pública Federal, Alan Nunes, quando o governo fala em rombo crescente na previdência, ele inclui benefícios assistenciais que não deveriam fazer parte do cálculo. Opinião semelhante tem o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Gabriel Wedy:
– Beneficio previdenciário é uma coisa; assistencial é outra. Só falta o governo incluir o Bolsa-Família em seus cálculos. Sem falar que, ao longo da história, o dinheiro da previdência foi usado para outros fins, inclusive para a construção de Brasília – argumentou.
Controle de gastos
O representante do Ministério da Fazenda, Ricardo Pena Pinheiro, argumentou que a mudança é imprescindível para recompor o equilíbrio e garantir a solvência a longo prazo do sistema previdenciário dos servidores, além de dar mais transparência e garantir maior controle dos gastos públicos.
No mesmo sentido, em defesa da proposta, o secretário de Políticas de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, Jaime Mariz de Farias Júnior, afirmou que o atual sistema se “exauriu” e hoje são necessários quatro servidores da ativa para financiar um aposentado, que se retira com salário maior, porque está em fim de carreira. Além disso, nos próximos cinco anos, mais 1,1 milhão de servidores terão alcançado o tempo necessário para se aposentar.
Os representantes do governo federal afirmaram ainda que o projeto respeita os direitos adquiridos dos aposentados e pensionistas e preserva também a expectativa de direito de quem está na ativa.
Raiz dos problemas
A auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli, que no dia anterior participou do seminário da FENASPS, também em Brasília, fez uma apresentação desmontando, por completo, a argumentação do Governo. Ela mostrou que a criação desses fundos faz parte da estratégia global de desviar grandes somas de recursos públicos para a iniciativa privada. Segundo ela, esse mesmo processo ocorre atualmente na Europa, onde os governos cortam todos os tipos de gastos sociais para “socorrer” bancos.
Fattorelli denunciou que a criação desses fundos está compromissada pelo governo brasileiro, desde 1998, com o FMI e apontou o documento firmado pelo país. Mostrou ainda que 45,05% de todo o Orçamento Geral da União, efetivamente executado no ano passado, foram destinados a “Juros e Amortização da Dívida”. Enquanto setores prioritários tiveram percentuais ridículos ou inexpressivos, como Saúde: 4,07%; Educação: 2,99%; Agricultura: 0,61%; Segurança Pública: 0,41% e Cultura: 0,04% do Orçamento, entre outros.
O gráfico apresentado por Maria Lúcia comprova que o Brasil trabalha como escravo, a serviço do sistema financeiro. Para os 190 milhões de brasileiros, restam apenas as migalhas, que eles querem reduzir ainda mais, com projetos dessa natureza.
– Veja a apresentação de Maria Lúcia Fattorelli
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/03/19/20120319MariaLciaFattorelli.pdf
– Veja a apresentação de Pedro Delarue
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2012/03/19/20120319PedroDelarue.pdf