Serviço público no limite
Envelhecimento do quadro – 37% dos servidores federais têm idade acima dos 50 anos – e falta de concurso público acende uma luz amarela. Situação pode resultar em colapso.
O envelhecimento da força de trabalho no serviço público federal tem causado preocupação e acendeu um sinal de alerta no governo. O problema também é agravado pela falta de concursos públicos, já que alguns órgãos e secretarias chegaram a ficar mais de 15 anos sem realizar nenhum tipo de processo seletivo ou prova para a escolha de novos candidatos, prejudicando a renovação do funcionalismo. Por conta disso, o governo tem implementado uma série de ações para manter os servidores em seu quadro de funcionários, mesmo que eles estejam às vésperas de uma aposentadoria. A experiência no trabalho, porém, ainda é fator determinante: 37% dos servidores federais – pouco mais de 205mil trabalhadores – têm idade acima dos 50 anos.
O abono de permanência ainda é o principal atrativo oferecido pelo governo aos servidores públicos federais. O incentivo, no entanto, nem sempre é suficiente para convencê-lo a continuar trabalhando, mesmo porque muitos já estão há décadas prestando serviços e aguardam a aposentadoria. Neste sentido, o governo tem optado por novos mecanismos para prevenir um hiato nas pastas federais. A aposta, segundo a Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, é reorganizar benefícios ligados à área da saúde e criar um ambiente mais seguro.
SAÚDE
“Priorizou-se a implementação da Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (Pass) e demais normas que dão sustentação legal a áreas de gestão de pessoas e de saúde. Essa política prevê a utilização de um sistema informatizado”, afirmou a secretária de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Ana Lucia Amorim de Brito.
TRANSIÇÃO PODE GARANTIR NOVO ÂNIMO À EQUIPE
De acordo com o governo, profissionais da área de recursos humanos estão recebendo curso para ajudar
funcionários experientes a lidar com questões relacionadas ao envelhecimento ativo e trabalho saudável.
Para secretária Ana Lucia, a chegada de novos funcionários também é fator determinante para renovar
o ânimo das equipes. “O processo de renovação é natural, considerando que a força de trabalho sofre a ação do tempo e por consequência adquire o direito de aposentar. O ingresso de novos servidores representa novo ânimo às instituições em razão da disposição e energia de quem está chegando, trazendo novas ideias que podem agregar valor no exercício das atividades”, acrescentou. A secretária destacou ainda que é necessário “absorver ” todo o conhecimento dos profissionais mais experientes. “Essa transição de capital humano na administração pública federal tende a conciliar o exercício do direito de aposentadoria com a manutenção do histórico de conhecimento adquirido, mediante a transferência desse conhecimento aos novos ingressantes no serviço público”, disse.
PONTO DE VISTA
Especialistas afirmam que aliar conhecimento à sagacidade de jovens que estão iniciando a vida profissional pode ser a chave para um ambiente produtivo. “Toda instituição, pública ou privada, deve cuidar dessa substituição. A troca não programada é um risco, porque você acaba ficando refém de um conhecimento de uma pessoa que deseja sair, ao mesmo tempo em que é preciso manter um padrão de qualidade”, disse a professora do Departamento de Administração da UnB, Debora Barem. Para ela, partindo do pressuposto de que ninguém é eterno, planejar a composição dos quadros de trabalho e aproveitar ao máximo o conhecimento de uma pessoa sempre é possível. “Esse conhecimento precisa ser traduzido, reconhecido e passado adiante para que ele não se perca. A transição, no entanto, deve ser planejada”, disse.
DESCANSAR OU PERMANECER NA ATIVA?
Considerado um dos servidores públicos federais com mais tempo de casa, João Pereira dos Santos completa 100 anos na próxima terça-feira. Com 44 anos de carreira como motorista da Câmara dos Deputados e hoje trabalhando na portaria do Ministério da Justiça, ele garante que a aposentadoria não faz bem ao ser humano. “A aposentadoria te faz um inútil. Você fica ocioso em casa, envelhecendo. O trabalho faz a pessoa viver”, disse ele, que faz questão de ir ao trabalho dirigindo. “E dirijo bem, viu”, avisa. Com bagagem de sobra, ele defende que o convívio de trabalhadores novos e mais experientes é essencial. “Eu costumo orientar, mostrar como é possível crescer. Mas sempre digo que quem gosta de trabalhar não deve parar. Sempre há espaço para mais um”, diz.
DIVERGÊNCI AS
A questão, porém, divide opiniões entre os mais novos. Recém-aprovado em concurso da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na área de estatística, Luís Otávio Fernandes, de 26 anos, defende a contratação de mais pessoal. “Há estudos que mostram defasagem nas agências reguladoras e em outros órgãos. Acho importante essa troca de experiências entre quem já está há mais tempo e aqueles que estão chegando. O curso de formação nos deu ambientação muito boa, e o conhecimento básico vai se transformando em capacidade gerencial”, sustentou.
Para quem ainda está tentando ingressar na carreira pública, as críticas à baixa quantidade de vagas em concursos e contratação de terceirizados são constantes.
“Entre aqueles que estão trabalhando há muito tempo e os terceirizados, ainda me sinto mais prejudicada por quem é terceirizado. Essas vagas poderiam ser ocupadas por pessoas que fizeram prova e passaram”, disse a jornalista Beatriz Borges, de 37 anos. “Por outro lado, acho a troca de experiência muito importante com os mais antigos. É a chance de aprendermos mais”, conclui.
A troca de experiência com os mais antigos é muito importante para aprendermos.” Beatriz Borges, 37 anos, jornalista Homens são maioria no setor público
Os homens ainda são maioria no serviço público federal. Atualmente, 293.150 servidores (53,9%) são do sexo masculino. As mulheres somam 249.722 (46,1%) funcionários. A maior gama de servidores está concentrada nos trabalhadores com idades entre 51 e 55 anos, que representam 86.684 pessoas (15% do total).
A taxa percentual de servidores com mais de 60 anos também é grande: são quase 50 mil trabalhadores nesta faixa etária. Outros 689 têm idade igual ou superior a 70 anos.
ABONO DE PERMANÊNCIA
O benefício do abono de permanência é o responsável por manter boa parte dos servidores públicos que já conquistaram o direito à aposentadoria trabalhando normalmente. Isso porque aqueles que optam por continuar exercendo a atividade profissional recebem de volta o que eles pagam a título de contribuição previdenciária.
Em linhas gerais, esses servidores pagam o benefício ao longo dos anos de trabalho e têm o direito de receber o mesmo valor de volta como crédito no contracheque. O pagamento do abono de permanência está fundamentado na Constituição Federal.
Fonte: (Renan Bortoletto – Especial para o Jornal de Brasília)
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