Especialistas traçam perfil econômico e político do novo governo para nortear as ações das entidades dos SPFs
“O rombo está na dívida pública e não na Previdência”, ressaltou Maria Lúcia Fattorelli (foto acima), que encerrou a manhã de palestras sobre a conjuntura na Reunião Ampliada do FONASEFE de 17 de fevereiro
Na Plenária Final da Reunião Ampliada do Fórum Nacional das Entidades dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), realizada na tarde do último dia 17 de fevereiro, mais de 300 representantes de entidades sindicais nacionais e estaduais aprovaram novo calendário de lutas e as pautas da Campanha Salarial 2019, que será lançada em ato a ser realizado no Ministério da Economia, no dia 20 de março.
Antes da votação, no início da reunião ampliada, de manhã, foi feito debate de aspectos conjunturais, apontando desafios políticos, econômicos e jurídicos a serem enfrentados pelo movimento sindical e pelo conjunto dos Servidores Públicos Federais (SPFs) diante do novo governo que se inicia em 2019.
O primeiro palestrante, Max Leno, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), analisou a atual conjuntura econômica do país, fazendo um comparativo da dívida pública brasileira com a de outros países.
Após o estudo, em que foi levantado o acúmulo da dívida pública pós-2008, considerando os efeitos da crise ocorrida no referido ano, após a quebra do banco americano Lehman Brothers, o economista do Dieese constatou que a dívida brasileira pode ser considerada modesta se contrastada com países como Japão, Itália e Estados Unidos, por exemplo, o que desnuda a ideia de que o Brasil tem uma dívida pública sem controle, e que o governo precisa “privatizar tudo” para retomar o equilíbrio fiscal (veja quadro abaixo).
Max Leno (foto à direita), palestrante do Dieese, fez análise dos aspectos econômicos da atual conjuntura. Confira a íntegra de sua apresentação
Governo já implementou uma “minirreforma da Previdência”
Apesar da proposta da Reforma da Previdência ser a maior ameaça aos trabalhadores que está por vir, Leno salientou que o governo já conseguiu implementar uma “minirreforma da Previdência”, ao aprovar a reforma Trabalhista (Lei n° 13.467/2017) e a Lei da Terceirização (n° 13.429/2017).
Essas duas medidas, segundo o especialista do Dieese, atingem mais diretamente os trabalhadores do setor privado, porém, o serviço público pode ser afetado, por pelo menos três vias: nos segmentos já privatizados – por parceria público-privada, organizações sociais, como nos hospitais públicos, fundações, contratações –; no recurso à CLT para estabelecer direitos de servidores(as); e na utilização das normas do setor privado como paradigma para o direito do setor público.
Exemplo deste último aspecto está no entendimento que o STF teve, em outubro de 2018, ao adotar a lei de greve do setor privado como referência para “normatizar” a greve no setor público.
Além disso, é preciso considerar a atual situação de precarização dos trabalhadores, promovida em larga escala pela Reforma Trabalhista: ao não conseguirem emprego fixo, ou trabalhando apenas de forma intermitente, os trabalhadores estão sendo alijados de obter seus benefícios previdenciários. Essas e outras iniciativas do governo vem sendo utilizadas para gerar um desmonte progressivo do serviço público, como demonstrou o economista no quadro abaixo (clique para ampliar).
Com isso, a organização sindical é fundamental para que os trabalhadores, unidos, tenham condições mínimas de reivindicar melhorias nas condições de trabalho e vida diante de um governo que aposta no mínimo diálogo e na maior perda de direitos possível para a classe trabalhadora.
Raio-x do Congresso Nacional e dos novos ministérios
O segundo palestrante do dia Jorge Mizael, da Metapolítica, fez apresentação de uma pesquisa que analisa o cenário que está começando na atual legislatura, tanto no Poder Legislativo (Câmara e Senado), quanto no Poder Executivo (ministérios e outros órgãos do governo Federal).
Mizael fez um raio x desses poderes, com as principais alterações nos ministérios do governo Temer para o de Bolsonaro (veja quadro abaixo), bem como o índice de renovação nas casas congressuais, os parlamentares mais jovens, mais idosos, com maior votação e patrimônio da 56ª legislatura, a atual.
Jorge Mizael (foto à direita), da Metapolítica, ilustrou como estão compostos os poderes Executivo e Legislativo para os próximos anos. Confira a íntegra de sua apresentação
O expositor ressaltou que essas informações são importantes para que se tenha uma ideia dos líderes do governo e representantes do parlamento com os quais as entidades dos servidores públicos terão que negociar.
Previdência não é problema, é solução!
A manhã da conjuntura política foi encerrada com chave de ouro, após mais uma brilhante exposição da coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli.
A auditora fiscal foi taxativa ao reafirmar, ao contrário dos últimos governos, que a Previdência não possui rombo nas suas contas. A falácia sobre o déficit da Previdência está no fato de que o governo desconsidera que a Previdência está inserida na Seguridade Social, juntamente com a Assistência Social e a Saúde, formando um tripé descrito no artigo n° 194 da Constituição Federal.
A proteção social foi considerada tão importante pelos constituintes de 1988 que os mesmos estabeleceram fontes de receitas diversas, pagas por toda a sociedade (conforme o Artigo n° 195): empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS); trabalhadores contribuem sobre seus salários (INSS); e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (Cofins).
Além dessas fontes de renda, há contribuições sobre venda de produção rural, importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos, PIS, Pasep, entre outras. Quando a conta é feita honestamente, computando-se todas as fontes de receitas e todas as despesas com a Seguridade Social, é possível verificar, segundo Fattorelli, que o discurso do “déficit” é fake!
Desde a aprovação da Constituição até o ano de 2015 o superávit de recursos na Seguridade Social tem sido impressionante, conforme dados oficiais anualmente contabilizados pela Anfip. A sobra de recursos foi, por exemplo, de R$72,7 bilhões em 2005; R$ 53,9 bilhões em 2010; R$ 76,1 bilhões em 2011; R$ 82,8 bilhões em 2012; R$ 76,4 bilhões em 2013; R$ 55,7 bilhões em 2014; e R$11,7 bilhões em 2015.
“A previdência não é problema, é solução. O rombo está é no sistema da dívida“, constatou Fattorelli, que acrescentou que o sistema de capitalização do governo Bolsonaro nem pode ser considerado um sistema de Previdência. “A capitalização é uma operação estritamente do mercado financeiro; ela acaba com o princípio da solidariedade estabelecido na Constituição de 88”, denunciou.
Segundo a auditora fiscal, os trabalhadores que dependem do INSS para garantir suas aposentadorias, com o regime de capitalização estão sendo enganados, fadados a um futuro terrível, principalmente se forem analisados os exemplos anteriores, dos fundos de previdências capitalizados dos trabalhadores dos Correios (Postalis) e dos funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef), que geraram prejuízos bilionários. Este último, inclusive, teve perdas consideráveis em investimentos feitos por empresa ligada ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes.
Além disso há que se levar em conta os exemplos dos regimes de aposentadoria no Chile, país cujo índice desuicídio entre idosos é um dos maiores no mundo, e no Japão, onde idosos cometem pequenos delitos para serem presos e terem o que comer.
Explicando o rombo no orçamento provocado pela Dívida Pública
Ao contrário da Previdência Social, cujas fontes de renda são muito bem explicadas na Constituição Federal de 1988, a dívida pública é um grande enigma. E continuará sendo, se não for auditada, com prevê a própria Carta Magna, no artigo n° 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Maria Lúcia Fattorelli (foto à direita), da Auditoria Cidadã da Dívida, fez uma exposição contundente sobre as contas públicas e a falácia do déficit da Previdência. Confira a íntegra de sua apresentação
Somente em 2018, mais de um trilhão de reais (veja gráfico acima), mais de 40% de todo o orçamento público, dinheiro de todos os contribuintes da nação, foi para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. “É aqui que entra o rombo, nesta que é a grande operação geradora da crise brasileira”, apontou Fattorelli.
A crise fiscal em que o país está mergulhado foi criada pelo chamado “sistema da dívida”. Nele, os juros altíssimos cobrados pelos bancos são contabilizados como se fosse amortização da dívida: “isso é umamegapedalada“, resume Maria Lúcia.
Com a crise fabricada pela política monetária do Banco Central, com as taxas de juros mais elevadas do mundo; as operações compromissadas (usadas de forma ilegal) e operações de swap cambial (também ilegais, conforme Tribunal de Contas), ocorre uma explosão da Dívida Pública.
A consequência disto é a aprovação, a toque de caixa, de inúmeras medidas restritivas aos trabalhadores, justificadas com base na crise: Emenda Constitucional n° 95 (“EC do teto”); Lei Complementar n° 159/2017 (da “recuperação fiscal” dos estados); contrarreformas; privatizações e a pior de todas: a “securitização de créditos”.
Securitização de créditos intensifica e “mascara” a fraude
Como se o sistema da dívida por si só não fosse suficiente para saciar o apetite financeiro dos grandes bancos, agora o governo brasileiro quer desviar, de forma mascarada, dinheiro repassado pelos bancos ao governo, por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 459, de 2017, da chamada “securitização de créditos”.
A securitização de créditos consiste em um esquema que cria um conjunto de contas vinculadas (como um “caixa dois”), antes do dinheiro chegar ao orçamento público. Esses recursos financeiros, usados supostamente para o pagamento da dívida pública, serão repassados diretamente aos bancos, por meio de contas “secretas”. Com esse desvio, quantias vultosas não chegarão aos cofres públicos! Isso fere radicalmente a legislação de finanças.
Esse mesmo tipo de fraude ocorreu na Europa, e foi descoberto apenas em 2015, quase 10 anos depois de instalada a crise na Grécia. Aqui no Brasil, as entidades, por meio do trabalho incansável da Auditoria Cidadã da Dívida, tiveram a oportunidade de conhecê-la antes de mesmo de ser regulamentada. É preciso rechaçar o PLP 459/17 de todas as formas! Saiba mais aqui.
Análise de conjuntura: representantes das entidades dão opinião
Após apresentação dos especialistas, os representantes sindicais opinaram sobre a conjuntura política e social no país, analisando o momento para os servidores públicos federais.
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