PEC Emergencial permite cortar salários e alivia contas, mas pode piorar PIB
A agenda de reformas estruturais em curso no governo federal e no Congresso Nacional inclui uma série de projetos largamente defendidos e aguardados por muitos especialistas e pelo mercado financeiro. São textos que reveem gastos e o uso de verbas públicas com o objetivo de desafogar as contas dos governos federal, estaduais e municipais, todos eles no vermelho.
Reforma tributária, reforma administrativa (que revê o funcionalismo público), PEC do pacto federativo (que descentraliza recursos da União para os estados e municípios) e PEC dos fundos (que libera a verba de fundos públicos para o abatimento da dívida) são algumas das pautas em tramitação no Congresso.
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Para alguns, porém, a mais urgente delas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, já que ela cria cortes de despesas imediatos, em um ano em que o governo já está no limite de estourar o teto de gastos, a regra que proibe o crescimento das despesas acima da inflação. Nas outras reformas, a maior parte das economias geradas aparece só no longo prazo.
O que prevê a PEC Emergencial
A PEC Emergencial cria cortes temporários de custos fixos –como redução de salário de servidores e congelamento de concursos públicos–, chamados de “gatilhos”. Eles seriam acionados sempre que as despesas começarem a ficar maior que as receitas. Como é o caso de 2021, todos os cortes começariam a ser feitos já neste ano, tão logo a PEC fosse aprovada.
A proposta prevê que essa espécie de “regime emergencial de ajuste” fique válido por dois anos, ajudando assim as despesas a voltarem a se equilibrar com as receitas. Elas valem para os governos federais, estaduais e municipais.
Entre as medidas temporárias previstas na proposta original, está a permissão para que as jornadas e salários dos funcionários públicos sejam reduzidos em até 25%. Uma segunda versão apresentada pelo Senado no ano passado, porém, retirou essa parte do texto.
Aumentos e promoções para os servidores também ficam bloqueados pelos dois anos, além da realização de novos concursos. O governo fica ainda impedido de criar novas despesas obrigatórias (como seria um novo programa social, por exemplo) e de conceder novos benefícios fiscais (como isenção de imposto para algum setor).
Medida está no Senado
A proposta foi enviada ao Congresso pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, em novembro de 2019, e recebeu do Senado, no fim do ano passado, uma nova versão já bem mais desidratada.
O avanço da medida, bem como quais gatilhos permanecerão na versão final, dependem agora da insistência do governo e da disposição dos novos líderes –Arthur Lira (PP), eleito presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM), no Senado– em pautá-las.
Corte de salário pode reduzir PIB
Para os entusiastas da proposta, a PEC Emergencial é essencial para destravar o crescimento do país, já que controla gastos fixos, reduz a dívida e libera verba para que o governo possa alocar em outras frentes, como os investimentos em infraestrutura, que já estão praticamente paralisados pela falta de recursos.
A economia anual das medidas emergenciais, estimada pelo governo e por economistas, pode ser algo entre R$ 10 bilhões a R$ 25 bilhões, a depender da versão final aprovada. Para se ter uma ideia, é dinhero suficiente para cobrir todo o abono salarial (que paga um salário mínimo anual extra à baixa renda e que custa R$ 20 bilhões ao ano), ou para até dobrar a verba de investimentos neste ano, que deve ser de R$ 15 bilhões a R$ 30 bilhões, a depender do tamanho dos cortes.
Há do outro lado, porém, os que argumentam que o efeito da PEC é essencialmente recessivo, já que ele retira bilhões de reais da economia, boa parte deles em salário e renda de trabalhadores.
Um cálculo feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estimou que a redução dos salários pode tirar de 0,3% do PIB (para um corte de 5% nos salários) até 1,4% (para o corte máximo de 25%).
“São pessoas que vão receber menos e consumir menos, o que desencadeia um efeito multiplicativo negativo e afeta a produção e o emprego”, disse Edson Paulo Domingues, professor associado da UFMG e um dos autores da análise. “Reduz, inclusive, a arrecadação de impostos, o que piora o resultado fiscal da mesma forma.”
Os salários da administração pública, aponta o levantamento da UFMG, representam em torno de 12% de todos os salários recebidos no país. Em 2018, custaram R$ 220 bilhões, o que significa que reduzi-los em 25% tiraria R$ 55 bilhões de circulação. Para se ter uma ideia, é o equivalente a quase dois Bolsas-Família, programa que custa R$ 30 bilhões aos cofres federais por ano.
“O efeito [no consumo] é relativamente grande porque, na média, o serviço público ganha mais que o restante da população, embora uma grande parte dos servidores ganhe até dois salário mínimos”, explica Domingues. “Claro que há uma elite do funcionalismo ganhando muito, mas ela é pequena. A maior parte é formada por uma classe média, que poupa pouco e usa a maior parte da renda para consumo.”
Cumprir o teto sem paralisar serviços
O resultado contracionista da PEC Emergencial, porém, não é consenso. Para uma parte dos economistas, o efeito recessivo calculado está superestimado e, no saldo, os estímulos que dá ao crescimento superam os freios.
“Cada R$ 1 gasto em investimento público gera muito mais retornos para a economia do que R$ 1 gasto com salário de servidor”, disse Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da gestora RPS Capital e ex-diretor do Instituto Fiscal Independente (IFI).
Para ele, os ajustes fiscais permitidos pela PEC Emergencial ajudam a estancar o crescimento da dívida e isso, por si, já ajuda o PIB a crescer. “Diversos estudos mostram que fazer expansão fiscal em países com dívida muito alta, como é o caso do Brasil, tem um efeito multiplicador muito menor”, disse. Isso significa que, se o país muito endividado decide gastar mais, ele pode só acabar mais endividado e sem crescimento extra nenhum.
Além disso, sem poder recorrer aos gatilhos da PEC, o governo só conseguirá cumprir o teto de gastos neste ano se cortar ainda mais dos investimentos e de outros serviços básicos da máquina pública, como emissão de passaportes. Isso torna bastante real o risco do que os economistas chamam de “shutdown” – uma paralisia total dos serviços públicos. O teto de gastos limita o crescimento anual das despesas à inflação e, para 2021, já está sem folga nenhuma.
“De todas as reformas, a PEC Emergencial é a mais importante, porque ela permite acionar os gatilhos de forma antecipada e dá mais conforto para cumprir o teto neste ano”, disse Barros. “Sem isso, o governo terá que cortar em outras despesas e podemos começar a ter dificuldades em executar algumas políticas públicas, como chegou a acontecer em 2017, quando faltou dinheiro para a emissão de passaportes, para o Minha Casa, Minha vida, e para as bolsas do CNPq e da Capes.”
Barros reforça, porém, que os impactos da versão desidratada do projeto apresentada pelo Senado no ano passado, que derrubou as reduções de jornada e salário, seriam bem mais limitados e fariam pouca diferença, ao fim.
Fonte: CNN Brasil Business