sexta-feira, 03/06/11

Por MPs, senadores quase se agridem fisicamente

mp2011.jpgEm 184 anos de história, o Plenário do Senado talvez jamais tenha sido palco da algazarra ocorrida no fim da noite desta quarta-feira (1º), quando senadores quase saíram no tapa por causa da votação de duas medidas provisórias (leia mais sobre a pauta).
 

Os senadores Mário Couto (PSDB-PA) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), por exemplo, tiveram de ser apartados pelos colegas menos nervosos – boa parte dos demais gritava a contestar a condução da sessão deliberativa por parte da senadora Marta Suplicy (PT-SP). Resultado, depois de muita gritaria e descompostura: mais duas MPs foram arquivadas (MPs 520/2010 e 521/2010), totalizando quatro apenas neste ano, traduzindo-se em mais uma derrota imposta pela minoria ao governo e pondo em dúvida a relativa folga de que o Planalto goza na Casa.

A despeito da derrota, o fato é que agora o governo poderá se queixar da quebra do acordo firmado ontem (terça, 31) com a oposição em plenário, pelo qual apenas seria votada e aprovada a MP 519/2010, que autoriza à União a doação de alimentos a nações pobres. E, na sessão de hoje, seria concluída a tramitação das três MPs em pauta e que perderiam validade à meia-noite, com a garantia de não obstrução oposicionista.

Tudo começou depois da aprovação da MP 517/2010, que consumiu quase seis horas de debates acalorados e críticas, principalmente oposicionistas, ao fato de a matéria “ornitorrinco” reunir em seu texto 19 assuntos em 56 artigos. Por volta das 21h, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deixou o plenário e repassou a função para Marta Suplicy, que deu início às discussões sobre a polêmica MP 520/2010, relatada por Gleisi Hoffmann (PT-PR). A proposição cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. (Ebserh), com o objetivo de administrar os hospitais universitários de todo o país.

O clímax da baderna foi verificado pouco depois das 23h, quando vários senadores já haviam desferido críticas à postura governista de impor ao Senado a aprovação, por meio da ampla maioria, das medidas provisórias. O senador Flexa Ribeira (PSDB-PA), que já havia discursado por duas vezes da tribuna – e tantas outras das cadeiras azuis do plenário –, queria questionar a relatora Gleisi sobre pontos do texto, em inversão do chamado aparte, quando quem está na “plateia” pede para intervir na vez do orador.

Mas Marta não permitiu o drible ao regimento interno. O tempo ia passando, e os cinco minutos regimentais de Flexa na tribuna chegavam ao fim – o senador parecia enrolar e deixar os minutos correrem, uma vez que as MPs deveriam ter sido apreciadas até a meia-noite, quando perderiam validade, como perderam. Nesse meio tempo, já se ouviam insultos de lado a lado, e Marta deu prosseguimento à sessão à revelia do plenário, lendo requerimentos e tentando ignorar a gritaria.

Microfones desligados

A situação ficou insustentável quando a senadora petista, alheia aos diversos pedidos de “pela ordem” (para discutir o mérito da MP), leu o requerimento de Marcelo Crivella pelo encerramento da discussão e início da votação – momentos antes, Crivella já havia pedido a palavra e constrangido alguns senadores ao exigir respeito à presidenta da sessão, em intervenção repetida por Lindbergh Farias (PT-RJ). A essa altura, os gritos se confundiam em alto volume.

“Os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovado o requerimento. Encerrada a discussão.

Em votação [a MP 520]”, prosseguiu Marta, simplesmente diante de senadores reunidos à sua frente, aos gritos – em certo momento a senadora cortou a captação de som dos microfones do plenário. A oposição veio abaixo.

“A ditadura já acabou!”, exclamou Cyro Miranda (PSDB-GO). “Nós vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular esta sessão. Esta sessão é ilegal. Vossa excelência atua como representante de uma ditadura da Maioria no Congresso”, emendou o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), amparando-se no artigo 270 do regimento interno, que exige discussão de requerimentos apresentados em plenário.

“A senhora violenta o Parlamento, senadora Marta. A senhora violenta o Congresso Nacional”, gritava Aécio Neves (PSDB-MG). “Vergonha, Brasil, vergonha!”, gritou ao ponto de ter ficado rouco o líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), com as duas mãos levadas à cabeça e olhando para as câmeras das galerias superiores – pouco antes, o parlamentar goiano jogou ao chão, violentamente, uma espécie de cartilha que parecia ser o regimento interno do Senado. Com a cabeça raspada, Demóstenes exibia no couro cabeludo e no rosto a vermelhidão decorrente do exaspero súbito.

Provocação

Depois de alguns instantes, Flexa voltou a ocupar a tribuna. E a “fazer cera”, como se diz no futebol. “Se o senhor ficar discutindo, o seu tempo vai acabar e o senhor não usar nadinha da sua palavra”, advertiu Marta, vendo o correr dos cinco minutos regimentais e evitando olhar para o oposicionista. “Eu vou descer da tribuna, e vossa excelência vai ter de me restituir o tempo. Eu estou me dirigindo a vossa excelência e vossa excelência está conversando, não ouve o que eu estou querendo perguntar”, reclamou Flexa, diante das conversas ao pé do ouvido entre Marta e a secretária-geral da Mesa, Cláudia Lyra.

Às 23h39, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), resolveu aparecer – durante a sessão, o senador exibiu postura atipicamente discreta ao não interferir no embate entre base e oposição. Ele sugeriu a Marta a suspensão da reunião plenária por cinco minutos, “para tentar acalmar os ânimos e construir uma solução”, no que foi atendido. Na volta aos trabalhos, às 23h44, a palavra foi concedida a Alvaro Dias que, da tribuna, fez mais um discurso contundente.
“Pedimos ao povo brasileiro perdão por esse triste espetáculo aqui patrocinado. Mas, a oposição não poderia deixar de reagir a esta ação de imposição ditatorial de quem quer não parlamentar, não deliberar, mas sim impor autoritariamente”, declarou o tucano, perguntando onde estava José Sarney naquela hora, com o plenário ainda sob tensão, embora apaziguado. Aécio Neves em seguida também discursou, voltando a reclamar do “rolo compressor” governista como “instrumento cotidiano das relações congressuais”.

Mais calmo, embora visivelmente indignado, Demóstenes Torres também voltou à tribuna, e lembrou um dos períodos mais negros do Senado, quando o senador Arnon de Mello (PDC-AL), pai de Fernando Collor (PTB-AL), matou a tiros – e por engano – em plenário, em 4 de dezembro de 1963, o colega José Kairala (PSD-AC). O alvo era o desafeto Silvestre Péricles (PTB-AL). “Nós vamos voltar ao tempo aqui em que os senadores compareciam armados a esta Casa? Ao tempo aqui em que, em vez de ideias, nós vamos esgrimir armas? Nós vamos nos digladiar, nos tapas? É isso que nós queremos?”, questionou Demóstenes, diante de um plenário silente, mas movimentado. No fundo do plenário, Collor assistia à fala impassível, com expressão grave.

“Senador Demóstenes Torres, falta menos de um minuto para a nossa sessão encerrar. Foi aprovado o PLV [Projeto de Lei de Conversão] número 13, proveniente da Medida Provisória nº 517. As duas outras medidas caem à meia-noite. Então, acabaram de cair as duas outras medidas provisórias”, resignou-se Marta, olhando o relógio do painel eletrônico e anunciando a derrota governista. A sessão foi encerrada exatamente no primeiro minuto desta quinta-feira (2).

Complexo de Cinderela

Ao deixar o plenário, a reportagem conversou com alguns senadores sob o ocorrido. Marcelo Crivella pouco quis falar sobre o embate com Mário Couto, limitando-se a dizer que são “coisas da política”, e que o oponente não queria aceitar um requerimento previsto no regimento.

Já Marta Suplicy disse que não havia perdido o controle da sessão. “Pelo contrário, tive muito controle. A oposição é que fez seu papel de tumultuar”, enfatizou a senadora ao Congresso em Foco, rodeada de assessores e seguranças. “Não estou acostumada com esse tipo de tumulto. Eu cumpri exatamente o que determina o regimento. Todos eles [oposicionistas] provocaram. Sendo mulher, eles provocaram um pouco mais”, lamentou a petista, que recebeu a solidariedade de companheiros como o líder do PT, Humberto Costa (PE).

Já para a relatora da MP 520, Gleisi Hoffmann, a oposição perdeu a razão durante o debate. “Foi uma irresponsabilidade da oposição, que usou todos os meios para evitar a votação”, reclamou a senadora.

Mas a declaração de Flexa Ribeiro mostrou que, depois de tanta animosidade, o bom-humor continua a ter vez no embate legislativo. “Hoje o governo sentiu o Complexo de Cinderela: tudo acabou à meia-noite”, zombou o congressista paraense, cujas gargalhadas se alternavam com suas bravatas durante todo o transcorrer das deliberações desta noite. “Regimentalmente, demos uma demonstração de que a democracia não se faz à base do chicote, ou impondo uma vontade imperial.”

Por fim, a frase-síntese do senador Armando Monteiro (PTB-PE), já a caminho de seu gabinete, serviu de reticência para a reflexão. “O Sarney desapareceu…”

Fonte: Fábio Góis – Congresso em Foco
Brasília, 02 de junho de 2011

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