O que precisa de cortes não são os concursos públicos
O deputado José Antônio Reguffe, ex-distrital e agora deputado federal pelo PDT de Brasília, fez um pronunciamento na Câmara dos Deputados que reforça minha convicção a respeito do absurdo que é a suspensão dos concursos públicos do governo federal e da nomeação de aprovados em seleções recentes como parte da economia de R$ 50 bilhões no orçamento deste ano.
Reguffe tocou num ponto fundamental da questão, ao criticar, da tribuna da Câmara, a suspensão dos concursos ao mesmo tempo em que são mantidos os mais de 20 mil cargos comissionados na máquina pública federal. O deputado, é importante destacar, é filiado a partido da base do governo Dilma, mas nem isso o intimidou. Ele está de parabéns pela coerência do seu pronunciamento, do qual vou me valer neste artigo para tratar da questão. Afinal, pergunto eu, que tipo de economia é essa que se faz à custa dos concursos, sem tocar nos cargos em comissão?
Talvez eu tenha a resposta: só pode ser economia política. Mas política no mau sentido: política do patrimonialismo, do filhotismo, do apadrinhamento, do nepotismo – direto ou cruzado –, da falta de vergonha no uso do dinheiro público e dos impostos pagos pelo cidadão brasileiro para manter alguns privilegiados em empregos aos quais, legalmente, não têm direito. É também a política do partidarismo, do toma-lá-dá-cá, só condenada da boca pra fora pelos políticos que estão no poder, sejam de que partido forem. É, enfim, a política das recompensas e dos agrados por determinadas atitudes, posições e até mesmo votos.
Assiste-se no país, mais uma vez, ao degradante aparelhamento do serviço público, com o preenchimento de cargos pelo critério da militância política. Nesse sistema vicioso, são deixados de lado os profissionais que preferiram a porta da frente do concurso público, à custa até, apesar do aparente exagero, de sangue, suor e lágrimas.
Mas quero voltar ao pronunciamento de Reguffe, porque, como já ressaltei, ele não é deputado da oposição, o que tornaria sua crítica de certa forma suspeita. Como deixou claro ao subir à tribuna, o parlamentar concorda com alguns dos cortes anunciados pelo governo, a exemplo do aplicado aos gastos com diárias e passagens aéreas. Ele também vê como positiva e moralizadora a decisão de “acabar com essa farra de jatinhos nos finais de semana, de ministros irem em jatinhos da FAB passar o final de semana fora de Brasília”. Reguffe apoia também o corte de algumas despesas de custeio do governo, “para que sobre mais dinheiro para outras áreas”. Concordo plenamente com nosso representante na Câmara, quando ele ressalta a importância de que o gasto público seja feito com responsabilidade e respeito ao contribuinte. Também acho inadmissível que o governo gaste 91% do que arrecada para manter seus serviços em funcionamento.
Na questão dos concursos públicos, o deputado discorda da suspensão indiscriminada das seleções na administração direta. Faço questão de reproduzir algumas de suas palavras, que sintetizam meu pensamento sobre o tema: “Concurso público é uma faxina moral. É uma forma de ingresso no serviço público pela qualificação técnica. É importante que se dê o acesso ao serviço público por concurso. Alguns cargos têm que ser comissionados, por serem de confiança, mas não pode haver o excesso que há. Em minha opinião, temos cargos em excesso na máquina pública.”
Para dar provas do exagero e do absurdo da situação que se instalou na administração pública brasileira, Reguffe citou no seu discurso números fornecidos pelas embaixadas da França e dos Estados Unidos. Segundo esses dados, existem, naqueles países, respectivamente, 4.800 e 5.600 cargos comissionados, enquanto, no Brasil, o governo federal mantém mais de 22 mil servidores ocupantes de cargos em comissão.
Diante desse quadro, o parlamentar conclui que o governo federal deveria aproveitar o momento e reduzir o número de cargos comissionados na máquina pública. Para Reguffe, suspender os concursos públicos e não reduzir os cargos comissionados “não parece uma atitude correta”.
“Nós temos que instituir a meritocracia no serviço público. Esse é um debate que precisa ser feito”, afirmou o deputado brasiliense, ressaltando, porém, que a inflação de cargos comissionados não é exclusividade do governo federal. A situação é idêntica no Distrito Federal, onde, no fim de 2010, havia 15.553 servidores comissionados, num universo de 18.500 cargos.
Esse panorama lamentável levou Reguffe a defender “uma mudança na gestão pública neste país. Fazer com que a gestão sirva ao contribuinte e não aos agentes políticos. Hoje, a gestão pública está atendendo muito mais aos agentes políticos e à perpetuação de suas máquinas políticas do que ao contribuinte, desenvolvendo serviços públicos de qualidade”. Por isso, concluiu ele, não é razoável “o governo cortar os concursos públicos e não cortar os cargos comissionados desta máquina inchada que nós temos”.
O deputado Reguffe está de parabéns. Suas palavras são aquelas que todas as pessoas de bem gostariam de ouvir – e de ver praticadas em todos os níveis da administração pública de nosso país. Sobretudo em obediência à Constituição, cujo artigo 37 estabelece as regras para preenchimento dos cargos públicos.
A primeira dessas regras, contida no inciso II, impõe o “concurso público de provas ou de provas e títulos”. No mesmo inciso, foram admitidas “as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998).
Contudo, o inciso V, também com a redação dada pela Emenda 19, faz uma ressalva à transigência do texto constitucional: “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Portanto, o imoral e grotesco festival de cargos comissionados a que assistimos na administração pública brasileira não tem amparo legal e só pode ser justificado pelo empreguismo desenfreado que tem como único critério o “QI”, o “Quem Indica”. Para acabar com isso, defendo a edição de lei ordinária que imponha o preenchimento de 50% dos cargos comissionados por servidores de carreira (concursados). Os outros 50% poderiam continuar a ser de livre provimento, mas apenas, como determina a Constituição, para “atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
*Fonte: José Wilson Granjeiro – Congresso em Foco
Brasília-DF, 1º de setembro de 2011