quinta-feira, 09/02/12

Desafios de um Brasil mais velho

 
a-velhoEm vez de construir um sistema de aposentadorias sólido, o país perpetua um modelo inviável para as próximas gerações

O Brasil que enriquece não chegou à casa simples, de poucos cômodos, da chácara 92 do Recanto dos Buritis, Gama, distante cerca de 40 quilômetros do Palácio do Planalto.
 
Em uma área de dois hectares, vê-se de tudo: galinhas e porcos soltos, plantações de milho, mandioca, abóbora e feijão, além de um pequeno pomar. Mas nada ali é produzido para gerar renda. Tudo vai para o consumo do casal Júlia Miranda de Souza, 58 anos, e Osvaldo Martins de Souza, 62.

O ofício da enxada sempre foi a forma de sustento dos dois baianos de Santa Rita de Cássia. Hoje, na terceira idade, não conseguem mais forças para trabalhar e correm atrás da aposentadoria. Os benefícios que tanto pleiteiam seriam mais do que justo se, ao longo dos últimos anos, tivessem contribuído com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mas não foi assim. Júlia recorreu à Justiça e conseguiu garantir um salário mínimo por mês. O marido ainda briga nos tribunais para ter o mesmo direito. Casos como o deles custam caro ao país e impõem uma fatura à Previdência que resulta em um rombo de quase R$ 50 bilhões por ano aos cofres públicos.

Apesar de reconhecer que a contribuição ao INSS é necessária, Júlia assegura que lhe faltou opção. Praticamente, não temos renda. Vivemos do que produzimos. Nunca tivemos dinheiro para pagar imposto, diz. Hoje, o salário mínimo recebido por ela é investido, sobretudo, na sua saúde. Antes da aposentadoria, os gastos com remédios e exames eram de responsabilidade dos três filhos — dois pedreiros e um policial militar, que também residem na pequena chácara.

Os herdeiros, por sinal, são motivo de preocupação de Osvaldo. Apesar dos conselhos do pai, nenhum deles vê necessidade de contribuir para ao INSS e, assim, garantir a aposentadoria sem traumas.

Eles já poderiam estar pagando como autônomos, mas não pensam no futuro‖, lamenta. Por lei, trabalhadores rurais com mais de 55 anos, no caso das mulheres, e de 60, se homens, são considerados segurados especiais e têm direito a benefícios do INSS mesmo não tendo contribuído ao sistema. Para requerer o direito, basta apresentar documentos que comprovem, ao menos, 15 anos de atividades no campo. O que funciona como justiça social aos olhos dos que trabalharam de sol a sol a vida toda — a pobreza entre os idosos praticamente zerou nos últimos 30 anos — resulta, contudo, numa bomba-relógio para o modelo brasileiro de previdência pública. Por uma simples razão: o frágil equilíbrio alcançado pelo sistema no meio urbano não vai durar muito, tamanha é a disposição do governo em criar mecanismos de proteção social com o dinheiro recolhido no contracheque dos que têm carteira de trabalho assinada.

Com o chapéu alheio

A culpa é do próprio governo que, além de não propor a reforma que o sistema precisa, ainda usa o INSS para fazer política pública‖, afirma o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), Paulo César Regis de Souza. Ele ressalta que, no último ano, as despesas com as aposentadorias rurais foram de R$ 55 bilhões, mas as contribuições realizadas pelos trabalhadores não chegaram a R$ 5 bilhões. Parte da diferença é coberta pelos empregados de empresas urbanas. Ainda assim a Previdência fechou 2011 com um rombo de R$ 36,5 bilhões‖, acrescenta. O quadro, ressalta Souza, fica mais assustador, pois, mesmo com todo esse desequilíbrio, o INSS terá ter arcar com outras distorções. É o caso do programa que inclui os microempreendedores. Eles contribuirão com só 5% sobre o salário mínimo, mas garantirão benefícios no valor integral do piso salarial. A mesma regra valerá para donas de casa com mais de 60 anos.

O problema não está em assegurar futuro digno para brasileiros que não tiveram oportunidades na vida, mas, sim, fazer política social à custa da Previdência. Melhor seria ter benefícios puramente assistenciais e bancados pelo Orçamento‖, acrescenta o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano. Para ele, na fase da contribuição, qualquer alíquota é boa para a Previdência, já que está só arrecadando. A dificuldade se escancara quando chega a hora de pagar os benefícios. No caso dos microempreendedores, por conta do corte da alíquota de 11% para 5%, haverá subsídio de R$ 297 milhões anuais, se considerar apenas os 700 mil que contribuem regularmente.

Servidores privilegiados


O drama da Previdência vai muito além. O ministro Garibaldi Alves defende mudança urgente no modelo baseado no tempo de contribuição, impedindo que pessoas bem posicionadas no mercado e com plena capacidade laboral se aposentem muito cedo. Ao completar 30 anos de INSS, no caso da mulher, e 35, no caso do homem, os segurados podem requerer o benefício. Em média, as mulheres estão se aposentando com 51 anos e os homens, com 53, a despeito do fator previdenciário. Para Alves, o ideal seria instituir a idade mínima de 60 anos para as mulheres e de 65 para homens, além de dificultar a concessão de pensões, um ralo avassalador. O ministro teme que, diante da previsão de estabilidade do deficit do INSS em R$ 36,5 bilhões, o Brasil adie novamente reformas para garantir um sistema sólido às próximas gerações.

Ralo bilionário

Os especialistas alertam: o recuo ou a estabilidade do rombo previdenciário é conjuntural, decorrente do processo de formalização da mão de obra. ―Não se pode esquecer que o país está envelhecendo e os gastos vão aumentar‖, diz Marcelo Caetano. Além de estancar a sangria do INSS, com 28 milhões de beneficiários, o país terá de lutar para fechar o ralo da previdência do serviço público. Só 1 milhão de inativos deixaram em 2011 um buraco de R$ 56 bilhões nos cofres do Tesouro. Este ano, o valor passará de R$ 61 bilhões. Por isso políticos sensatos defendem a regulamentação, este ano, do fundo de previdência do funcionalismo, aprovado em 2003, mas contido pelo lobby do atraso.

Fonte: Correio Braziliense do dia 6 de fevereiro, página 6.
Brasília-DF, 6 de fevereiro de 2012


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