sexta-feira, 29/06/12

Paraguai: Quem São os Derrotados?

  

lugo-asEscrito por Mário Maestri
Quarta, 27 de Junho de 2012

Na Grande Guerra do Prata, de 1864-70, o Paraguai foi derrotado nacional e socialmente pelo Império, pela Argentina liberal-unitária e pelo Uruguai colorado. Teve sua autonomia nacional violada pela ocupação militar, por governos títeres, por longa interferência brasileira e argentina nos seus assuntos internos. Pagou fortes indenizações de guerra e perdeu importantes territórios.

A derrota paraguaia deveu-se à aniquilação de seu campesinato, a grande singularidade daquela nação. Já forte na Colônia, ele expandira-se e consolidara-se durante o regime jacobino francista (1814-1840). Os soldados que resistiram como leões à invasão o Paraguai, em 1865-70, eram camponeses defendendo suas chácaras da voracidade da ordem oligárquico-latifundiária.

Após a derrota, a reconstrução liberal-mercantil do Paraguai deu-se sob a hegemonia-competição dos partidos Liberal e Colorado. O primeiro foi formado, sobretudo, pelos proprietários refugiados desde os tempos do doutor Francia em Buenos Aires. Durante a guerra, eles integraram a Legión Paraguaya, tropa colaboracionista subordinada aos invasores. No geral, defendeu o liberalismo extremado e os interesses argentinos.

O Partido Colorado, autoritário e populista, foi fundado pelo general Bernardino Caballero (1839-1912), alto oficial paraguaio escapado à morte. Formado pelo que sobrara das classes dominantes lopiztas e apresentando-se como continuação nacional-popular da resistência, contou com apoio entre a população jamais alcançado pelos liberais, vistos como colaboracionistas serviçais.

Os colorados expressaram os interesses do Estado imperial e republicano brasileiro. Prisioneiro brevemente no Rio de Janeiro, Caballero estreitara os laços com o Império. Foi o ex-general lopizta que privatizaria, em 1885, as enormes terras públicas, após a guerra de 1865-70, quando presidente da República (1880-86), em golpe derradeiro nos camponeses, de fortes raízes guaranis, dizimados na resistência.

A longa ditadura colorada do general Alfredo Stroessner (1954-89) resgataria Solano López como herói nacional, enquanto reprimia a população rural e seguia entregando as terras do país ao latifúndio, sobretudo estrangeiro. Deposto em fevereiro de 1918, morreu em exílio dourado no Brasil, apesar da carnificina com que mantivera a ordem ditatorial.

Após a queda controlada da ditadura, no contexto de população reprimida e desorganizada, o populismo conservador colorado continuou dominando a política, apoiado em métodos gângster, seguindo os liberais no seu jejum de poder.

Em de abril de 2008, após meio século de hegemonia colorada, vencia as eleição Fernando Lugo. Desde 2006, o “bispo dos pobres”, ligado à Teologia da Libertação e aposentado pela Igreja, militara na política, liderando partidos de oposição, centrais sindicais, movimentos sociais etc. contra o continuísmo colorado.

Candidato pela Aliança Patriótica pela Mudança, Lugo superou de longe o segundo colocado. Durante a campanha, restringira seu programa à luta contra a “desigualdade social”, pela “reforma agrária”, contra a corrupção, por melhor preço para a eletricidade vendida ao Brasil. Impugnara luta por modificação estrutural e afastara-se das políticas de governos como o venezuelano, boliviano etc. O vice-presidente – Federico Franco – pertencia ao Partido Liberal (Radical Autêntico), que via em Lugo meio de pôr fim, mesmo subalternizado, ao longo afastamento do poder.paraguai 1

No governo, Lugo deu as costas ao movimento social que lhe levara à presidência, empreendendo administração socialmente pífia, refém da maioria conservadora quase absoluta na Câmara e Senado. Foi assediado por denúncias de corrupção, de apoio a grupos armados, de vida sexual dissoluta, que procuravam transformar o movimento que o levara à presidência em um hiato histórico, e não em instrumento de construção de organização e autonomia do movimento social.

Ordem judicial de reintegração de latifúndio de dignitário colorado resultou em nebuloso confronto armado entre camponeses e policiais, com dezenas de mortos e o presidente solidarizando-se com as forças repressivas, enquanto sem-terras eram perseguidos, presos e torturados. É difícil dizer se o confronto fez parte do plano do golpe ou foi apenas aproveitado para tal.

Com o julgamento galopante do impeachment, procurou-se impedir a temida mobilização da população rural, caixinha de Pandora que a direita não quer abrir. A derrota do golpe através da galvanização de camponeses e sem-terras era também tudo que o governo brasileiro não queria.

Com pusilanimidade singular, Lugo submeteu-se disciplinadamente ao golpe, esforçando-se para desmobilizar qualquer resistência, sob a desculpa de impedir derramamento de sangue, que vertera sem dó em Ybyrá Pytá.

O novo presidente já sinalizou a forte repressão à luta pela terra, nesse país essencialmente agrícola. Sem jamais sair das sombras, o governo Obama liquidou com o bispo vermelho e fragilizou a Venezuela, Bolívia, Equador etc., sem as dificuldades do golpe hondurenho de 2009. Conta agora com governo súcubo, bem juntinho da Argentina e do Brasil. Uma cenário escrito com a ajuda da política de flexibilização ao imperialismo do governo da senhora Dilma Rousseff.

Mário Maestri é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net

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