A falência dos políticos
Balas de chumbo e borracha tomaram o lugar da política na resolução de conflitos entre o Estado e segmentos da sociedade no Brasil. Índios, manifestantes e jornalistas acabaram do lado errado dos canos das armas da polícia – enquanto autoridades se escudavam atrás de microfones na segurança de seus gabinetes.
A inapetência das lideranças políticas brasileiras não distingue partidos. Nem prefeito, nem governador, nem sequer um vereador deu a cara nas cenas de conflito para tentar mediar impasses. Passaram a responsabilidade para policiais. Deu no que deu.
Se os políticos profissionais se escalam para assistir jogo da seleção e, quiçá, vaiar os colegas mas evitam as esquinas onde seus eleitores aspiram gás lacrimogêneo, cabe perguntar: eles servem a quem?
O apagão de lideranças no Brasil é mais contundente do que os cassetetes da PM paulista. Não é coincidência que o movimento que pretende parar as maiores cidades do país se declare “horizontal, autônomo, independente e apartidário”. A ausência de um líder tradicional parece confundir políticos e policiais.
Um comandante da PM de Brasília reclamou da falta de interlocutor à altura de sua patente do outro lado – o lado dos manifestantes anti-Copa que ele dispersou abalas e bombas. Os políticos também parecem aturdidos com a falta de hierarquia dos manifestantes.
Não há “cabeças” com quem barganhar, a quem cooptar nem para cortar. Essa é, porém, a maior característica da pós-política. Organização em rede, voluntária, heterogênea e sem estrutura de comando. Só não confunda ausência de líderes com falta de liderança. É bagunça organizada. Começa no dia e hora marcados em locais previamente combinados.
No sumiço dos políticos, nota-se um cálculo marqueteiro: de qual lado ficar para mais faturar? O prefeito Fernando Haddad (PT) ainda está calculando. Já o governador Geraldo Alckmin (PSDB) achou que seria do lado da repressão. Tudo caminhava para ele se consagrar como quem pôs ordem na casa, até a crise tomar um atalho.
Na narrativa preponderante, a manifestação contra o aumento do ônibus/ metrô começou como uma curiosidade, virou um estorvo, evoluiu para baderna e tinha tudo para acabar com a glória da repressão policial na quinta-feira passada. No palco escolhido, a esquina da Consolação com Maria Antonia, havia espaço suficiente para acomodar helicópteros de todas as emissoras de televisão.
Mas aí a sede de vingança da tropa falou mais alto – vingança pelo quase linchamento de um policial na manifestação anterior. O pelotão de choque começou a batalha atirando para onde estava virado. Bombardeou posto de gasolina, carro, idoso, apartamento.
Multidão dispersada, começou a caçada aleatória a transeuntes. Por azar falta de mira ou intenção, os policias acertaram 15 jornalistas. A narrativa muda quando o narrador vira parte da história. De vítima, a polícia virou algoz. E Alckmin teve que ouvir lição de moral ao vivo num programa televisivo.
Não que o governador não possa sair dessa ainda mais favorito á reeleição, No interior paulista, quem não gasta quatro horas diárias para ir e voltar do trabalho em ônibus cada vez mais lotados talvez simpatize com sua posição a favor da ordem.
Já na capital, a pesquisa Datafolha, feita a quente, mostrou uma cidade dividida. “A molecada está certa”, resumiu um passageiro. Ele explica os 55% de apoio às manifestações: se o serviço é mim e só piora, aumento d a passagem é tapa na cara do usuário. As depredações e os engarrafamentos engordam os 40% que são contra.
Unanimidade, só a do vinagre. Sua posse, mesmo podendo levar à prisão, virou item de primeira necessidade.
E o único alívio contra a lacrimejante atmosfera paulistana. Vinagre é o novo tomate.
Fonte: JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO – O ESTADO DE S. PAULO