A República Federativa da multidão insatisfeita
A reação ofensiva policial em São Paulo na última quinta-feira desencadeou uma série de mobilizações por todo o país e fora dele. Além de Brasília e Rio de Janeiro, 10 capitais brasileiras foram palco de manifestações, levando às ruas cerca de 250 mil pessoas. São Paulo viveu ontem o quinto ato contra o aumento nas tarifas do transporte público. A Polícia Militar tinha estimado em 30 mil pessoas o público no protesto na noite de ontem na capital paulista, mas o Instituto Datafolha calculou em 65 mil o número de manifestantes. As ruas de Belo Horizonte, de Curitiba, de Belém e de Porto Alegre também foram tomadas por milhares de pessoas (veja quadro).
Em São Paulo, embora a manifestação de ontem tenha sido a maior desde o primeiro protesto, em 6 de junho, também foi a mais pacífica. O ato começou às 17h e, no decorrer da passeata, os manifestantes ocuparam locais de grande movimentação, como a Avenida Paulista, palco de um dos principais confrontos entre policiais e manifestantes na semana passada, e também a Marginal Pinheiros. As vias foram
bloqueadas e o trânsito ficou complicado. Pela manhã, os ativistas se reuniram com o secretário de Segurança do estado, Fernando Grella Vieira, para discutir medidas com o intuito de evitar violência. Por volta das 22h, manifestantes se aproximaram do Palácio dos Bandeirantes. Houve conflito com a polícia, que lançou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes, que tentavam entrar na sede do governo paulista.
Grella Vieira assegurou que os policiais não estariam munidos de balas de borracha e que os manifestantes poderiam chegar às principais vias da cidade. Mesmo assim, lideranças do movimento afirmaram que as manifestações só serão interrompidas quando houver a diminuição da tarifa, que passou de R$ 3 para R$ 3,20. Para justificar o aumento, a prefeitura de São Paulo se muniu de números.
Gás lacrimogênio Em Porto Alegre, um protesto que reuniu 10 mil pessoas começou por volta das 18h e foi pacífico até as 22h de ontem, quando uma parte do grupo entrou em confusão com a polícia. A Brigada Militar usou bombas de gás lacrimogêneo para conter os manifestantes e o Batalhão de Operações Especiais tentou isolar a Avenida Ipiranga, uma das principais da cidade. Viaturas, ônibus e contêineres de lixo foram depredados e queimados. Alguns coletivos tiveram as janelas quebradas e foram pichados. Manifestantes também quebraram os vidros de uma loja de motocicletas.
Outra manifestação tensa ocorreu em Belo Horizonte, com cerca de 20 mil pessoas. O protesto começou no meio da tarde, no Centro. Pedaços de madeira, cones, cavaletes e outros objetos em chamas foram usados para fazer barricadas no cruzamento das avenidas Antônio Carlos com Abrahão Caram. Os policiais usaram bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar os manifestantes. O grupo protestou contra a prefeitura, os gastos públicos com a realização dos eventos esportivos da Fifa na capital mineira, o preço das passagens de ônibus, e a corrupção. Em Vitória, centenas de manifestantes se aproximaram da residência oficial do governador Renato Casagrande (PSB), mas os policiais contiveram o avanço da população sem maiores incidentes.
Em Fortaleza, onde está concentrada a Seleção Brasileira (leia mais no caderno Super Esportes), manifestantes picharam o Diretório Estadual do PT.
Em Maceió, um estudante de 16 anos foi atingido por um disparo de arma de fogo. O autor teria sido um motorista que furou o bloqueio. Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o estado de saúde do rapaz.
O povo nas ruas
Brasília Os gastos excessivos com a Copa das Confederações, investimentos em saúde e educação e o fim da corrupção foram algumas das bandeiras levantadas pelos cerca de 10 mil manifestantes, que também apoiaram os protestos nas outras cidades do país. Eles invadiram a cúpula do Congresso, mas após negociação, desceram. Em alguns momentos, houve confusão com a polícia.
Rio de Janeiro Manifestantes levaram flores e ocuparam a Cinelândia. Até as 19h50 de ontem, a PM ainda não havia estimativa oficial, mas os organizadores calculavam 100 mil pessoas no ato. O grupo protestou contra o aumento das tarifas no transporte público. Por volta das 20h, houve confusão entre os manifestantes e policiais em frente à Assembleia Legislativa.
São Paulo Segundo estimativas de um instituto de pesquisa, 65 mil pessoas se manifestaram ontem, no Centro, contra o aumento das tarifas do transporte público. Foi a quinta e maior mobilização na capital paulista em duas semanas. A primeira ocorreu em 6 de junho.
Belo Horizonte Cerca de 20 mil pessoas protestaram contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trens. O grupo tentou se aproximar do Estádio Mineirão, local do jogo entre Nigéria e Taiti, e entrou em confronto com policiais, que usaram bombas de gás lacrimogêneo e deram tiros de bala de borracha.
Vitória Mais de 5 mil manifestantes saíram do câmpus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em passeata pela cidade. O protesto é contra a criminalização dos movimentos sociais e a corrupção, a favor da tarifa zero do transporte público e também apoia os movimentos nas demais cidades.
Maceió A manifestação, organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), contou com cerca de 2 mil pessoas. O grupo protestou contra o possível aumento das passagens de transporte público de R$ 2,30 para R$ 2,85.
Porto Alegre Ao menos 10 mil manifestantes ocuparam uma praça e várias ruas do centro da cidade. Em alguns casos, houve vandalismo. O grupo é contra o preço da passagem de ônibus, a realização da Copa do Mundo no Brasil, a violência da polícia e a PEC 37.
Salvador Cerca de 10 mil pessoas fizeram uma passeata, na tarde de ontem, em apoio ao passe livre no transporte público e às manifestações contra o reajuste da tarifa do transporte em São Paulo e em outras cidades do país.
Belém Cerca de 10 mil pessoas participaram de uma manifestação para discutir os problemas enfrentados pela população na capital paraense, impulsionados pela onda de protestos contra o aumento da tarifa do transporte público em outras cidades do Brasil.
Curitiba Na terceira manifestação na cidade nas últimas duas semanas, cerca de 10 mil pessoas compareceram ao ato. Num manifesto impresso, a Frente de Luta pelo Transporte de Curitiba, que congrega várias organizações e coletivos, disse que eles lutavam contra a tarifa injusta e a violência da polícia, e reivindicavam o congelamento da tarifa em R$ 2,60.
Fortaleza Cerca de 5 mil manifestantes caminharam pelo centro da cidade no início da noite de ontem. Eles chegaram perto do hotel em que a Seleção Brasileira está hospedada, mas não houve conflito. Eles reivindicavam investimento em educação e saúde e prestavam solidariedade aos manifestantes feridos nos protestos no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Recife Estudantes pernambucanos protestaram na noite de ontem, por cerca de uma hora, em uma das principais avenidas da capital: a Agamenon Magalhães. Eles sentaram no chão, cantaram o Hino Nacional e convidaram a população a participar do protesto na próxima quinta.
Estados Unidos Duzentos brasileiros que vivem em Los Angeles fizeram um ato em solidariedade aos protestos no Brasil. A manifestação também ocorreu em Nova York e em Chicago. (FONTE: CORREIO BRAZILIENSE)
“Os protestos não vão parar”, acreditam especialistas ouvidos pelo Correio Especialistas alertam que o governo e a polícia devem se preparar para mais atos durante os grandes eventos esportivos e as eleições
Manifestante ergue cartaz diante de policiais militares: democracia testada entre a repressão e o diálogo
A visibilidade internacional do Brasil gerada pela Copa das Confederações despertou na população a necessidade de revelar a insatisfação com problemas recorrentes, antes restritos ao boca a boca entre os cidadãos e às redes sociais. A onda de protestos nas cidades sedes do evento é só uma demonstração do que pode ocorrer durante o mundial de futebol do próximo ano, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. No Distrito Federal, em quatro dias, moradores protagonizaram três protestos contra os gastos com os torneios internacionais em detrimento ao investimento em saúde, em educação e em segurança. A repercussão das manifestações em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Brasília chamou a atenção dos governos e repercutiu em diversos setores da sociedade. “Nada do que ocorre é aleatório, existe organização e aspectos políticos envolvidos nesse processo. E os protestos não vão parar.
No ano que vem, temos Copa do Mundo e eleições. As demonstrações de insatisfação da população serão recorrentes”, ressaltou o coordenador do curso de Segurança Pública da Universidade Católica de Brasília (UCB), Nelson Gonçalves. Para a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Haydée Caruso, o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em São Paulo foi o estopim para o início dos protestos. “Foi uma janela que a sociedade percebeu para colocar as inquietudes para fora. Saímos de um momento de grande apatia. Brasília também se coloca diante desse cenário”, analisou. Para a socióloga, pesquisadora na área de segurança pública, violência e cidadania, existe uma série de situações expostas de forma diferente em cada Estado. “Tem a ver com a forma como os grupos de cada localidade age, alguns mais violentos, outros não. O que não pode acontecer é uma atuação policial sem moderação, além de depredação do patrimômio público”, complementou.
(FONTE: MANOELA ALCÂNTARA – CORREIO WEB)