Em defesa da qualidade do serviço prestado pelo Serviço Social do INSS
No dia 05 de novembro de 2020, as e os assistentes sociais do INSS da Superintendência Regional Sudeste II, que abrange profissionais lotados nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, foram surpreendidos com uma comunicação oficial interna da superintendência convidando profissionais do Serviço Social e Reabilitação Profissional a participarem de atendimentos, em regime de mutirão, para realização de avaliações sociais da pessoa com deficiência em requerimentos de Benefício de Prestação Continuada.
Os Conselhos Regionais de Serviço Social de Minas Gerais, Rio de janeiro e Espírito Santo – autarquias públicas com prerrogativa de defender e fiscalizar o exercício profissional da e do assistente social em suas respectivas áreas de abrangência, tornam público seu posicionamento técnico-político diante dessa situação, com a finalidade de orientar a categoria profissional em continuar na defesa da qualidade dos serviços prestados para a população, como dever ético central de seu processo de trabalho.
Primeiramente, há de se qualificar atendimentos em regime de mutirão, como atendimentos de caráter emergencial e imediatista que possuem finalidade direta, nessa situação do INSS, de escoar requerimentos de BPC que estão acumulados. E é sabido que tais ações resguardam em si uma tendência operacional tecnicista, produtivista e mecânica, que priva o trabalho profissional de sua necessária qualidade técnica.
É importante resgatar as causas que ensejam esse represamento na conclusão dos requerimentos de BPC, até para que os/as assistentes sociais do INSS não sejam responsabilizados ao se posicionarem na defesa da qualidade técnica do trabalho profissional e na garantia do acesso aos direitos pelos usuários e pelas usuárias.
Desde 2017, o Conjunto CFESS-CRESS, juntamente com entidades representativas dos trabalhadores e das trabalhadoras e órgãos de defesa dos direitos dos cidadãos e das cidadãs, têm investido ações para explicitar as consequências da implantação do INSS DIGITAL, sem a devida responsabilidade institucional com a inclusão social dos usuários e das usuárias e sem garantia da viabilização do acesso à informação e ao devido direito.
O INSS DIGITAL transferiu a fila dos atendimentos presenciais para uma fila eletrônica de análise dos benefícios e já é de conhecimento público que tal questão resultou no acúmulo de milhões de requerimentos de benefícios e serviços, dentre eles os de BPC. É também sabido que com o INSS DIGITAL, há um desprestígio dos requerimentos de BPC, que desde 2017 são preteridos na ordem eletrônica de análise dos requerimentos institucionais, que não possuem fila eletrônica única, criando barreira de acesso ao BPC.
É perceptível que a gestão do INSS na superintendência só indicou tal proposta de mutirão porque está sendo pressionada pelo judiciário por meio de ações civis públicas. A gestão do INSS não se sente responsável em executar sua finalidade que é recepcionar pedidos de acesso ao direito, operacionalizar análise de processos e, por fim, conceder o acesso a direitos. A estratégia gerencial do INSS tem sido de se desresponsabilizar com relação ao acesso à informação e ao direito e de transferir totalmente a responsabilidade: 1º) para os/as usuários, em buscarem seus direitos de forma digital e a distância, independente se acumulam condições para isso e, 2º) para os servidores e as servidoras públicas pelo acervo represado de requerimentos, investindo na exacerbação do produtivismo individual sem qualquer contraprestação institucional em melhorar as condições de trabalho ou sequer preocupar com a saúde dos/as trabalhadores/as.
Em contraponto, é importante posicionarmos que não é a “simplificação” dos processos de análise dos benefícios que vai solucionar tal situação. Mas ao contrário, é o investimento institucional tanto em reposição e ampliação da força de trabalho dos e das servidores/as públicos do INSS por meio de concurso público, quanto nos recursos tecnológicos institucionais. Pois, há algum tempo vem sendo veiculado pela própria mídia tradicional que, além do INSS funcionar com menos da metade da sua força de trabalho após as recentes aposentadorias dos servidores, os recursos de informática e de internet institucionais são obsoletos, lentos e bastante instáveis, o que atrasa mais ainda o cumprimento das tarefas e aumenta o acúmulo do acervo de requerimentos no INSS.
Essa situação de negligência institucional do INSS reverbera diretamente nas condições de trabalho dos/as servidores/as públicos e, obviamente, cria diversas armadilhas para o trabalho profissional dos/as assistentes sociais com qualidade técnica e para a atuação do Serviço Social do INSS. E, desde 2017, acentuaram-se as investidas institucionais de esvaziamento das competências do Serviço Social do INSS, tanto com medidas gerenciais internas que promovem o desvio de função para atividades administrativas em desprestígio das atividades técnicas dos/das assistentes sociais, quanto por meio de alterações em documentos legais que restringem ou excluem o Serviço Social do INSS. Nesse ponto, ressaltamos a omissão dessa superintendência regional com relação a esses desvios de função dos/as assistentes sociais na autarquia, o que se perdura até os dias atuais.
Também destacamos que o CRESS MG e SINTSPREV MG acumulam recusas continuadas da Superintendência do INSS em dar retornos em nossas solicitações, bem como de realizar reuniões com as entidades representativas da categoria cuja pauta é a defesa da relevância e da qualidade técnica do trabalho do/da assistente social do INSS. Esse desprestígio institucional com o Serviço Social do INSS é observado também com a omissão da Superintendência em recompor algumas representações técnicas do Serviço Social que contribuiriam diretamente para a gestão, monitoramento, planejamento das atividades profissionais na autarquia, inclusive nesse momento de represamento dos requerimentos no INSS.
Mais uma vez, após meses sem atendimentos presenciais para os usuários e as usuárias das políticas de seguridade social devido às recomendações de combate a pandemia do COVID-19, o INSS, sem qualquer diálogo e/ou planejamento com as representações técnicas locais e com a categoria profissional, sem qualquer debate sobre as já existentes e precárias condições de trabalho, sem considerar os já estabelecidos planejamentos de trabalho e represamento de demandas do Serviço Social em todo o território nacional, propõe como solução “heroica/messiânica”, ação de mutirão, que promove o aumento da sobrecarga de trabalho para os/as assistentes sociais do INSS, sem qualquer preocupação com a qualidade do trabalho profissional.
Tal proposta desconsidera que estamos em contexto de restrição de contato físico entre as pessoas e com novos protocolos de higienização dos espaços de trabalhos como estratégia política de saúde pública. Percebe-se que não há sequer preocupação do INSS com a saúde do trabalhador/servidor, com propostas de aumento de horas de exposição dos e das profissionais e usuários/as ao risco de contato e transmissão do vírus, sem sequer debater com os profissionais se haverá salas apropriadas e equipamentos de proteção individual e coletivo para atendimentos em regime de mutirão. E mais uma vez, o INSS sinaliza que o Serviço Social na autarquia restringirá seus atendimentos presenciais a avaliação social em BPC, excluindo realização de pareceres sociais e socialização de informação, tão importantes quanto, para viabilizar o acesso ao direito.
Além disso, nessa ultrajante proposta de atendimento em regime de mutirão também identificamos negligência institucional com a qualidade do trabalho prestado pelos assistentes sociais, pois sequer prever uma capacitação técnica dos profissionais. Expressa, portanto, total desconhecimento do processo de avaliação social da pessoa com deficiência em requerimentos de BPC, que não se restringe a um único atendimento a ser realizado em tempo determinado pelos gestores do INSS; e pressupõe, no mínimo, o acúmulo do conhecimento das condições e recursos sociais, econômicos e políticos existentes na região da pessoa com deficiência, além da realidade nacional e mundial.
A negligência institucional também se amplia no que tange ao acesso ao direito pelos/as usuários/as, pois essa proposta de regime de mutirão de atendimento prejudica situações de busca ativa das pessoas, que ao longo de anos de espera pelo andamento processual, já trocaram de endereço, contato telefônico e sequer conseguem adentrar nas agências para atendimento presencial e efetivar atualização de dados cadastrais, considerando que a maior parte não tem acesso à tecnologia digital e é praticamente analfabeta na comunicação a distância. Tais usuários/as também ficaram sem atendimento nas políticas de assistência social para atualização de endereço no cadastro único, serviços que estão sendo retomados recentemente. Soma-se a isso o fato de o 135 ser gratuito apenas para telefone fixo, prejudicando o atendimento remoto.
Pelas exposições acima, em defesa do trabalho profissional com qualidade recomendamos aos/às assistentes sociais do INSS a não aderirem a mais essa armadilha institucional em propor ações em regime de mutirão no trâmite do BPC, pois promove o esvaziamento dos planejamentos de ações/atividades do Serviço Social do INSS e limita os/as profissionais a atividades imediatistas.
A adesão a tal proposta pode sugerir infração de preceitos éticos profissionais e o/a assistente social e os/as usuários/as não podem ser responsabilizados/as pela obstrução institucional do acesso ao direito. E é nesse sentido que indicamos também que haja a antecipação do valor do benefício para os requerimentos represados, até que se consiga efetivar as avaliações do grau da deficiência com estratégias inclusivas e com qualidade técnica que o processo exige.
Fonte: CRESS MG