NÃO SE DEIXE ENGANAR: A “REFORMA ADMINISTRATIVA” É UM PROJETO DE DESTRUIÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

O serviço público corre perigo. Consequentemente, o acesso da população à saúde, educação, previdência e a outros direitos garantidos na Constituição Federal também está em risco. Grupos empresariais e deputados do Centrão e da extrema direita, com o apoio do governo, planejam uma Reforma Administrativa que, na prática, pretende atacar o acesso aos direitos constitucionais e abrir caminho para a privatização e precarização dos serviços públicos.
Em entrevista recente ao C-Level Entrevista, videocast da Folha de S. Paulo, o deputado Pedro Paulo relator da proposta da reforma administrativa apresentou pontos da proposta. Ele destacou medidas como o fim das férias de 60 dias do Judiciário e a limitação aos supersalários. No entanto, é preciso denunciar: essas medidas são apenas uma cortina de fumaça, o chamado bode na sala. Elas são apresentadas para desviar a atenção da sociedade, enquanto o verdadeiro objetivo da reforma é desmantelar as carreiras públicas, enfraquecer a estabilidade, reduzir salários e ampliar a contratação precária de trabalhadores no serviço público.
É falsa a ideia de que o Brasil possui servidores em excesso. Apenas 12% da força de trabalho no país é composta por servidores públicos, percentual muito inferior ao de nações desenvolvidas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que têm média de 23,48%. Países como França, Reino Unido e Dinamarca possuem proporções muito maiores. A narrativa de que há servidores demais serve apenas para justificar cortes e ataques.
O governo fala em criar uma “tabela única” nacional de referência salarial, apelidada de IVA das carreiras. Na prática, isso padroniza por baixo e limita a valorização dos servidores em estados e municípios. Além disso, a reforma impõe que chefes do Executivo em todas as esferas apresentem planos estratégicos com metas e indicadores que passarão a pautar a vida funcional dos trabalhadores. O salário deixa de ser estável e previsível para se tornar variável, condicionado ao cumprimento de metas arbitrárias definidas pelos governantes de plantão.
O modelo de avaliação de desempenho proposto pelo Ministério da Gestão e Inovação, o Sidec, se tornará obrigatório em todas as esferas e poderes. A estabilidade formal continua existindo apenas no papel, mas, na prática, a avaliação passa a ser usada como instrumento de chantagem, perseguição, assédio moral institucional e demissão de servidores. O estágio probatório também será fragilizado, já que a estabilidade não estará garantida sem avaliações ainda mais rígidas.
A proposta alonga artificialmente as carreiras, exigindo ao menos 20 níveis até o topo, e reduz o salário inicial para no máximo 50% do salário final. Isso significa arrocho salarial, desvalorização e alongamento do tempo necessário para alcançar remunerações do final da carreira. Ao mesmo tempo, amplia-se a possibilidade de contratações temporárias por até cinco anos, sem garantias e com enorme espaço para apadrinhamento político. Até mesmo concursos diretos para níveis intermediários da carreira passam a ser permitidos, abrindo brechas para favorecimentos.
A reforma prevê ainda limitação do teletrabalho a apenas um dia por semana, salvo justificativa. Nos municípios pequenos, dependentes de transferências, haverá teto salarial ainda mais baixo para secretários, precarizando ainda mais regiões que já sofrem com falta de estrutura.
Os impactos são profundos e atingem servidores de todas as esferas: no nível federal, a ofensiva já está em curso no INSS, com o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) e a Portaria nº 1.800, que representam a implementação da reforma administrativa por via infralegal. O PGD compulsório extingue a jornada de trabalho regular, impõe metas escorchantes e atrela o salário à produtividade, criando uma lógica de superexploração que adoece e mata servidores.
Na saúde, a situação não é diferente. A terceirização do SUS por meio das Organizações Sociais é, na prática, a aplicação concreta da reforma administrativa, onde o Estado se coloca como agente subsidiário e transfere a gestão para o setor privado. O próprio Ministério da Saúde, com o programa “Agora Tem Especialista”, terceiriza atendimentos que deveriam ser garantidos pelo SUS universal e gratuito, entregando-os para planos de saúde privados. Esse modelo mercantiliza a saúde e desmonta o princípio constitucional de que ela é direito de todos e dever do Estado está diretamente alinhado com projeto de “reforma” administrativa.
A reforma não atinge apenas quem está na ativa. Ao enfraquecer a estabilidade e desestruturar as carreiras, compromete também os direitos dos aposentados e pensionistas. O rebaixamento das tabelas salariais, a redução dos salários iniciais e a imposição de bônus variáveis que não se incorporam ao vencimento básico destroem a paridade e a integralidade, conquistadas pela luta da classe trabalhadora. E para os servidores que se aposentarão no futuro, o cenário é ainda mais grave: aqueles que já ingressaram sem a garantia da paridade e da integralidade serão duplamente prejudicados, pois terão carreiras achatadas e benefícios cada vez mais distantes dos salários da ativa. Na prática, quando as carreiras são fragilizadas, todos são atingidos — servidores ativos, aposentados e pensionistas, em todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Enquanto isso, os verdadeiros privilégios permanecem intocados. Generais, altas cortes do Judiciário, empresários e banqueiros seguem blindados, drenando recursos do orçamento público sem serem atingidos pelas medidas. A propaganda fala em cortar supersalários e férias prolongadas, mas o núcleo duro do poder e o aparato repressivo do Estado segue preservado.
A saída não é destruir o serviço público, mas fortalecê-lo. A classe trabalhadora defende a taxação dos super-ricos, a auditoria da dívida pública, o fim da jornada 6×1, a revogação do Arcabouço Fiscal e a recomposição do orçamento. Defende concursos públicos, salários dignos, valorização das carreiras, paridade entre os trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas e a estabilidade como garantia fundamental de independência frente as pressões de governos e interesses privados.
A Reforma Administrativa não atinge apenas os servidores. Ela atinge diretamente toda a classe trabalhadora que depende do SUS, das escolas públicas, das universidades, da previdência e da assistência social.
É hora de resistir, de mobilizar e de lutar:
nenhum direito a menos, nenhum serviço a menos!