Palhaçada no Congresso. Deputados aumentam os próprios salários em 62%
O projeto de decreto legislativo também concede o teto de R$ 26,7 mil ao presidente, ao vice-presidente da República e aos ministros de Estado, que atualmente recebem R$ 11,4 mil e R$ 10,7 mil, respectivamente.
Enquanto o Congresso analisa o relatório do Orçamento da União de 2011 que concede R$ 30 de aumento no salário mínimo, que atualmente é de R$ 510, os legisladores decidiram presentear a si mesmos com R$ 10,2 mil a mais nos contracheques a partir de fevereiro, reajustando o subsídio de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil, índice de 61,8%. Em quatro anos, cada parlamentar vai faturar cerca de R$ 1,5 milhão no contracheque.
Se o reajuste levasse em conta apenas a inflação acumulada, o índice seria de menos de 30%, segundo um economista da Universidade de Brasília (UnB) ouvido pelo Correio. “Certamente na próxima semana haverá um projeto do Supremo querendo ajustar seus vencimentos. O efeito cascata da nossa decisão será imediato. Isso certamente sairá de verbas da Saúde e da Educação”, criticou o deputado Eduardo Valverde (PT-RO).
Governistas afirmam que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) poderá ser apresentada no início do ano para conter o efeito cascata nas assembleias e câmaras de vereadores (leia mais na página 3). Mas, somente na Câmara e no Senado, o impacto do aumento dos parlamentares na despesa fixa do Congresso será de mais de R$ 256 milhões por ano. Além dos parlamentares em exercício, 580 ex-congressistas e viúvas são contemplados com o reajuste. Até os deputados e senadores que não conseguiram se reeleger receberão, em fevereiro, o salário de encerramento da legislatura, o chamado 15º, com o aumento de quase 62%.
A votação foi marcada pela euforia de muitos e o constrangimento de alguns. Um grupo de deputados aplaudiu e soltou gritos de comemoração quando os colegas encerraram a votação. O placar registrou 279 votos favoráveis, 35 contrários e 3 abstenções. Alguns chegaram a implicar com o deputado Manato (PDT-ES), que teria apoiado o requerimento de urgência, mas votou contra o reajuste. “Demagogo!”, gritaram. Outro parlamentar que ciceroneava um deputado estadual recém-eleito aconselhou o colega. “Aprende para você fazer isso na sua assembleia.”
Castigo
O PSol foi o único partido a orientar a bancada a votar contra o reajuste. “Essa decisão é um desatino. Exagerada, aprofunda o abismo entre parlamento e sociedade. Reduzir o efeito cascata é cascata”, cobrou o deputado Chico Alencar (PSol-RJ). O deputado Fernando Chiarelli (PDT-SP) lembrou que a Casa não aprovou projetos importantes este ano e, por isso, não merecia o regalo. “Se tivéssemos cumprido o dever de casa, poderíamos comer o doce. Temos é que ficar de castigo. O que vai acontecer no Congresso do Tiririca só Deus sabe”.
Às 15h40 de ontem, o projeto atravessou o Salão Verde da Câmara e às 17h40 já estava na pauta do Senado. Na Casa Alta, entre a votação do mérito e a aprovação simbólica, os senadores não demoraram nem cinco minutos. Apenas Marina Silva (PVAC) e Álvaro Dias (PSDB-PR) pediram a palavra para protestar. O deputado Geraldo Magela (PT-DF) também defendeu o fim do 14º e do 15º salários, para tentar moralizar as discussões e evitar a reação da opinião pública.
Apenas o começo
As verbas de gabinete e indenizatória também serão atualizadas, mas a decisão ficará para a próxima legislatura, segundo o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), quarto-secretário da Câmara. A intenção dos parlamentares é reajustar os benefícios com índices do IGP-M acumulado de 2008 a 2010, em torno de 18%. Com esse reajuste, a verba de gabinete, que atualmente é de R$ 60 mil na Câmara e R$ 80 mil no Senado, pode passar a cerca de R$ 70 mil e R$ 94 mil. A cota indenizatória dos parlamentares, atualmente em torno de R$ 30 mil, pode ser acrescida em R$ 5 mil. “Isso aí a próxima Mesa é que vai fazer.
Essa Mesa só teve o compromisso de fazer a equiparação com o salário dos ministros. O critério será o da inflação acumulada”, afirmou o quarto-secretário.
Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que o aumento de 61,8% nos salários dos parlamentares vai gerar despesa de cerca de R$ 2,2 bilhões, levando em conta o reajuste das assembleias e câmara de vereadores de todo país. O montante, se fosse usado como receita no Orçamento da União para aumento do salário mínimo, poderia custear pelo menos R$ 8 a mais nos vencimentos de 2011, além dos R$ 30 que o governo oferece, por enquanto. O salário mínimo previsto para o primeiro ano do governo Dilma Rousseff é de R$ 540.
O projeto que reajustou o salário dos deputados, senadores, presidente da República e vice-presidente, no entanto, prevê que
os respectivos órgãos impactados com o aumento custearão a despesa com a alteração no subsídio das autoridades. Câmara e
Senado terão que manobrar o orçamento das Casas para absorver o impacto.